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O Tempo, em Cantos, Também Passa...


uma máquina de datilografia com papel, acima de uma mesa com livros do lado
O tempo ... ah, esse tempo: passa. E como! (Imagem IA - DALL-E-3)

No teto, o ventilador espalhava ondas de calor, que se misturavam à poeira adormecida da sala de estar. A sala era o seu lugar - não só de estar; a sala sabia, a sala via. Companheira de choros e de alegrias. Sentar e escrever, na sala, tentava virar rotina há muito tempo.

 

Os pés se acostumaram a descansar na banqueta confortável vestida de chita barata, alegre. A chita alegrava a sala. Almofadas coloridas amaciavam as costas doloridas, no sofá, alternando-se no descanso da cabeça, quando, muitas outras vezes, servia de cama ao corpo esticado, cansado.

 

Um dia, descobrira a Cadeira de Escrever. Ela não iria substituir o Canto de Escrever, no diálogo intenso com a sala de estar, mas despertou a imagem de outro canto de escrita. Assim, escrever viraria rotina, assim como sentar, ainda no sofá, virara vontade. A cadeira foi colocada na sacada, junto às plantas que insistiam em sobreviver. A cadeira também tinha uma banqueta para os pés - confortável, apesar de não ser recoberta pela chita alegre e barata. A cadeira não havia sido barata. Uma almofada, presa à cadeira, também descansaria as costas maltratadas.

 

As flores, a paisagem observada da sacada, a cadeira, o sofá, o ventilador … tudo convidava à rotina da escrita. Mas o tempo ... ah, o tempo ... esse, estraga qualquer rotina. E a pressa — companheira de longa data do tempo — convida ao adiamento.

 

O Canto de Escrever da sala deveria ser substituído — ou complementado — pelo Canto de Escrita na sacada, na confortável Cadeira de escrever. Mas a vontade não prevalecia, como um mantra descarado que devolvia preguiça à vontade, e insistia no deixar para depois.


O tempo, a pressa, a vontade, continuavam na briga pela rotina da escrita. Adiar virou rotina, sonhar ficou para depois. Palavras deixaram de ser escritas, calando a voz interior, aprisionando os diálogos. Palavras perdidas, palavras esquecidas.

 

Finalmente, chegou o Lugar da Escrita: o escritório. Lá, a escrita venceria o tempo, a pressa, a vontade e a rotina, porque o momento da escrita chegara, inadiável, e nada mais poderia ser abandonado. Escrever viraria pensar, reviver. Enquanto escrevesse, a memória resgataria fatos, rasgando o tempo. Lembranças se derramariam, despertadas pelo Canto das Origens que tudo revirava. Palavras se misturariam ao incenso do Canto Místico. Molduras envolvendo imagens desprenderiam vozes, caladas pelo passar do tempo, guardadas no Canto do Coração — que, indócil, esperava o momento da escrita para sarar dores impregnadas.

 

Mas … um Canto para a Escrita não importa: descobriu, na calma do tempo, que poderia ter sobras. Todos os outros cantos da casa tinham histórias latentes, letras dançantes, palavras saltitantes, sentimentos coloridos envolvidos em papéis transparentes. Sua vida impregnara-se nos Cantos.


Mesmo deixando para a última hora, as histórias, desordenadas a princípio, enfileirar-se-iam no abstrato, vertendo dores viscerais em cachoeiras congeladas, em frases arrancadas da memória monocromática, arco-irisadas pela escrita inspiradora.

 

O tempo cobra, de vez, a escrita sem deixar para depois. O tempo lembra às palavras a sua chegada. A pressa —outra, agora — cobra a outra falta de tempo. A vontade martela a preguiça. O sofá ou uma cadeira teriam que se transformar em cenário das palavras, conduzindo as mãos na dança harmônica das letras.

 

Deixar para depois — que se transformara em rotina — não caberia mais na sua vida.

O tempo... ah, esse mesmo tempo... agora urge, cobrando, lembrando, afirmando:

sabe esse tempo? Não há mais a ser adiado!




 

Goretti Giaquinto

Desafios # 202 e # 203 de 365

Tema: FOLGA DA CANETA

Depois de uma semana de intensivão de escrita de poesias, agora precisamos descansar e dar uma folga para a caneta.

Neste fim de semana, vocês estão livres para escreverem o que quiserem, no formato que quiserem e o quanto quiserem.

A duas únicas regrinhas são:

Escrevam e Postem no seu perfil de escritor/escritora em nosso site.



 

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1 Comment


Oye Becca
Oye Becca
Aug 25

Amei a descrição dos ambientes, me senti como alguém que visita o lar de uma amiga querida <3

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