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Foto do escritorJean F.V.Oliveira

O Mapa - Conto 1 - Final




  Nos carregando em suas costas os linces verdes corriam em direção à Torre da Luz e a velocidade fazia com que as árvores ao nosso redor se transformassem em um borrão. A chuva caindo fazia a vista difícil e a minha mão começava a escorregar do pelo grosso do animal. Quando finalmente chegamos ao campado no centro da floresta onde a torre se localizava estava com meus olhos e mãos ardendo do esforço.


   Columba e Puella chegaram primeiro. Desci e acariciei as orelhas do lince em agradecimento. Quando olhei na direção dos dois estavam parados encarando a torre e perto do portal de entrada três silhuetas nos encaravam. No centro estava Caliptus com sua face coberta por uma sombra. Do seu lado direito estava Caelestis pleno em seu hábito marrom com as gravuras azuis cintilando e do lado esquerdo estava Fábula, pálida e parecendo exausta apoiando-se com a mão no ombro de Caliptus.


   Puella começou a andar em direção aos três quando Columba colocou o braço em sua frente e levemente acenou um “não” com a cabeça. Usando a conexão que a habilidade dele causava em nós conseguimos ver o que ele percebia dos outros parados à nossa frente. Emanavam uma áurea fétida e corrosiva preenchida de uma podridão que encheu nossos olfatos e nos fez tapar o nariz ao mesmo tempo.


   - Mestra Fábula está tudo bem com a sra? Não me parece bem... – A preocupação na voz de Puella era de cortar o coração. – Preciso lhe informar sobre...


     - “Não seja tola postulante! Acredita mesmo que pode me informar de algo que eu não eu saiba?!" – A voz de Fábula ecoou em nossas mentes. – “Sou a sacerdotisa guardiã da Torre da Luz! A maior biblioteca de todos os planares. Tenho acesso a todo tipo de conhecimentos coletados pelos sacerdotes missionários em cada canto conhecido desse universo. Acredita mesmo que não sei que pretendem roubar o mapa e mostra-lo para todos!


   - Mas Mestra, se temos esse conhecimento e ele pode libertar tantas existências das amarras do caos, qual o motivo de não o levarmos para todos? Não é essa a verdadeira função da Ordem da Luz? Levar a ordem e o conhecimento para todos os planos.


     - “Sua ingenuidade é realmente tocante. A ordem, assim como a lei, são meios para um fim. Todo o nosso conhecimento é poder! Por quê dividiríamos poder com os outros planos?”


   - Para que sejam libertos. Temos tanto a oferecer Mestra Fábula! Queremos somente o Mapa nessa imensa biblioteca. Por favor...


   - Basta! – A voz de Caelestis nos atingiu como uma imensa onda. – Essa impertinência já está ultrapassada e minha paciência se esgotou com vocês três. Puella, retorne para o convento, Fábula e eu cuidaremos desses dois ladrões. Essa será a única chance que te darei para retornar para nossa Ordem.


   Os olhos de Puella observava os três e ia de Caliptus para Fábula, de Fábula para Caelestis, de Caelestis para Caliptus. Aqueles profundos olhos castanhos que não perdiam nada estavam lendo todas as informações da situação que nos encontrávamos.


   - “Estão controlando Caliptus. Estão usando a habilidade de ímpeto que a voz dela causa. Mestra Fábula tem a habilidade de espírito que a permite controlar seres vivos com sua voz.” – A voz mental de Puella chegou ao mesmo tempo que imagens e lembranças das habilidades da sacerdotisa eram expostas.


   - Pois bem...escolheu o seu destino Puella. – Caelestis olhou para Fábula e colocou a mão em seu rosto por um longo momento. – Vamos acabar logo com isso minha amada e seremos livres finalmente.


   O choque da demonstração de carinho entre os dois foi interrompido pela investida de Caliptus. O escudo que ele projetava nos cercou e fez o som da chuva sumir. Um silvo no ouvido esquerdo era o único som que restava. Columba deu dois passos rápidos e ficou entre nós e eles.


   - “Esse escudo irá retirar todos os nossos sentidos! Ficaremos imóveis em instantes! Tentarei alcançar a alma dele, mas precisarei de tempo. – O esforço fez Columba dobrar e se apoiar de joelho no chão.


   Nossa audição começou a voltar quando Caliptus começou a caminhar em nossa direção. Fábula sussurrou algo em seu ouvido, ele levantou a mão e tudo ficou escuro. Quando minha visão retornou estava sentado na sala de aula do convento com Caelestis andando à minha volta.


   - Seu espírito é mesmo intransponível. Mesmo sob a forte habilidade de um sacerdote ancião ele o mantém são e o protege. Consegue escutar o barulho da chuva não é mesmo?


   - Consigo sentir também o fedor do caos emanando de sua alma Caelestis. Está fraco demais para manter sua ilusão para todos os sentidos não é mesmo?

     - Sua impertinência realmente não conhece limites. Creio que venha da criação naqueles imundos clãs de nômades hereges.


   - É de onde vem a força do meu espírito. – As paredes da sala de aula começaram a desmoronar. – As ilusões que sua ordem criou e os muros que a lei levantou nunca impediram minha liberdade. Eu vejo vocês exatamente como são: instrumento do caos!


   As paredes que nos cercavam caíram imitando o som de trovões. A poeira que foi levantada com queda se transformou, pouco a pouco, no acampamento do nosso clã. Caelestis se viu cercado por tendas e nômades transitando de um lado para o outro em seus afazeres diários. O medo começava a parecer em seu rosto.


   - Acredita mesmo que sua ilusão surtirá efeito em mim Aer?

   - Não é uma ilusão. É uma memória...


   A escuridão em forma de uma neblina tão densa que parecia líquida começou a invadir os quatro cantos do acampamento. Lenta e implacavelmente consumindo tudo o que via pela frente. A máscara de Caelestis finalmente caiu e seus olhos se arregalaram de terror. Cercado pela escuridão sua única alternativa foi correr em minha direção.


   - Foi nessa escuridão que perdi meus pais. – E a lembrança deles sendo engolidos pela névoa foi mostrada momentaneamente. – Eles eram os curandeiros do clã. Dedicavam suas vidas a curar quem encontrávamos pelo caminho.


   - Não sabe o que faz! A mera lembrança dessa abominação pode atraí-la, pare com isso agora mesmo!


   - O que leva um sacerdote de uma ordem que promete libertar a todos trabalhar para fazer exatamente o contrário?


   - Eles têm a alma de Fábula presa! Vão manda-la para além da existência se eu não obedecer! Devo impedi-los de libertar o mapa e o conhecimento da torre. – Caelestis parecia estar falando a verdade.


   - Queremos somente o mapa. Precisamos dele para que todos saibam das vias de acesso aos planos.


   - Acredito que já saiba que o mapa está encrustado na Torre da Luz. Caliptus lhe informou sobre isso na transferência missionária. O que vocês não sabem é que esse conhecimento é poderoso demais para se manter sozinho. Só conseguimos prendê-lo na torre devido aos outros inúmeros saberes ali contidos e pelo fato do local ser um portal de uma das mais antigas vias de acesso à IN LUX. Se libertarem o mapa a instabilidade causará destruição da torre e todo o conhecimento ali contido será espalhado por todos os planos!


A informação me pegou completamente de surpresa quebrando minha concentração no plano mental em que estava com Caelestis. Voltamos ao campado da torre e ele estava desmaiado aos pés de Fábula. Caliptus tinha Puella cercada pelo escudo, mas no exato momento em que Fábula olhou para seu companheiro caído no chão Columba atacou. Quando ele encostou a mão na testa de Caliptus uma forte luz surgiu do toque. Fábula foi arremessada em direção a torre, seu corpo batendo com tanta força contra a parede que ela perdeu a consciência imediatamente.


   Assim que a luz do toque Columba se apagou a sombra que cobria o rosto de Caliptus desapareceu. Seu rosto estava pálido e magro como se sua energia vital tivesse sido sugada. Columba o apoiou com um dos braços e o deitou no chão. Puella e eu corremos para perto dos dois.


     - Obrigado Columba, sua habilidade de leitura da alma libertou a minha da prisão do ímpeto da voz de Fábula. – Sua voz era rouca e nada mais que um sussurro.


   - Nem mesmo sabia que possuía tal habilidade. Uma memória surgiu tão forte em que sua irmã Cinerae me dizia que “A luz da palma de sua mão expulsará as trevas do meu irmão”.


   -Tudo aconteceu como minha irmã disse e esperava, porém falta ainda uma linha da minha existência a ser concluída. Me levem para perto da torre.


      Columba levantou Caliptus do chão e caminhamos em direção a torre. Puella segurou minha mão e seus olhos estavam cheios de lágrimas. De alguma forma nós três sabíamos o que estava prestes a acontecer. Era uma memória reprimida de Caliptus mas estava ali presente. Sua poderosa habilidade de escudo era a chave final para a libertação do mapa. Chegamos onde Fábula estava caída e Columba, cuidadosamente, ao lado dela o apoiou com as costas na parede da torre.


   - Eles usaram a alma de Fábula para fundir o mapa com a Torre da Luz e como contrapeso todos os outros conhecimentos recolhidos pela ordem desde sua fundação. Minha habilidade protegerá a alma dela e conseguirei assim destaca-la da torre.


   - Quem são “eles”...? – Columba estava agachado olhando Caliptus nos olhos.


   - Agentes do Caos infiltrados. Provavelmente um trio específico. Um deles é um sacerdote da ordem, o outro um delegado da lei e a terceira nunca consegui identificar. Provavelmente é uma nômade de clã pelas vestimentas.


   - Acredito tê-los visto antes de vir para cá. – Columba colocou a mão na cabeça como se sentisse uma forte dor. – No plano de Terriare, na cidade de Vii, dentro do castelo da família Vyan. Foram eles que me mandaram para cá?


   - Os três agem juntos, porém cada um com sua intenção egoísta por trás. Estavam chantageando Caelestis com a alma de Fábula presa aqui para que o mapa nunca fosse encontrado. Isso acaba agora!


   Caliptus pôs as mãos no topo da cabeça de Fábula e começou a falar uma língua que nenhum de nós três compreendeu. Seus corpos começaram a emitir uma estranha luz fosca que foi aumentando de intensidade. Era como tentar olhar para o sol. A Torre da Luz passou a tremer e também todo o chão à nossa volta, a intensidade da chuva tinha aumentado e relâmpagos cortavam o céu em várias partes. Os sacerdotes que trabalhavam na torre começaram a sair pelo portal de entrada com as mãos sobre a cabeça.


   - Está tudo desmoronado lá dentro! – Um deles gritou.


   Uma terceira luz surgiu das paredes da torre e se moveu tão rápida de encontro ao corpo de      Fábula que a fez parecer uma estrela cadente. O chão em volta começou a se abrir e nos afastamos. Columba correu para tentar resgatar Caliptus mas ele o parou com seu escudo.


   - “Tirem Fábula e Caelestis daqui. Tirem todos daqui! A torre entrará em colapso, tentarei ganhar tempo com a proteção do meu escudo.” – Era novamente aquela tranquila voz mental de Gaumdium e pela minha cabeça passou todos os momentos felizes que compartilhamos no convento. – “Nii-san... meu querido irmão Flumen. Obrigado por me mostrar a determinação necessária para essa tarefa. Minha amada amiga Puella, a ti agradeço pelo puro coração em ajudar quem mais precisava sem nem mesmo perguntar o porquê. Columba, meu companheiro viajante, sua família te aguarda. O mapa está livre!


    Carregamos Fábula e Caelestis até a borda da floresta e os deixamos ali. O escudo de Caliptus expandiu e cobriu toda extensão da torre e do campado nos protegendo dos destroços da torre que saiam como cometas e sumiam no abismo que estava se formando. Foi quando percebemos que a torre estava implodindo e os destroços que escapavam dela eram na verdade os inúmeros conhecimentos sendo espalhados pelos Planares. As paredes por detrás do escudo se transformaram em uma esfera de luz com anéis que orbitavam em volta dela formados por cores que nunca tinha visto antes. A esfera subiu até o topo da torre e então vimos Caliptus a segurando. O escudo que estava esticado começou a contrair e envolveu a esfera por completo, comprimindo e a fazendo explodir em milhares e milhares de faíscas de luz que foram sumindo no grande vão que se abriu no chão onde ficava a Torre da Luz. Inúmeras outras faíscas saíram voando pelo céu da Floresta. Três faíscas vieram voando em nossa direção e pararam no centro de nossa testa e uma forte luz cobriu nossos olhos.


   Quando acordei estava com a cabeça apoiada no colo de Puella e não sentia mais a conexão que nos ligava antes. Estava sozinho. Mas no centro da minha consciência uma figura estava clara. Um conhecimento que, estranhamente, parecia ter estado sempre comigo: o mapa das vias e planares.


   - Funcionou Aer. O mapa foi libertado para todos. Caelestis, Fábula e Columba não estavam mais aqui quando acordei. Não sei para onde foram... – Ela se levantou, olhou na direção onde ficava a torre e apontou. – O que será que significa aquilo?


   O que ela via era comum para quem crescia nos Clãs de Liberdade. Aprendíamos desde cedo a saber a localização mais próxima delas.


   - Aquilo é uma Via Planar. Estamos livres.


Fim.




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