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Mulher De Garra


Laurinda era uma mulher negra, com cerca de um metro e oitenta de altura, olhos, nariz e boca combinando num rosto alongado que transparecia firmeza. Devido aos trabalhos pesados que sempre exerceu, tinha uma postura corporal forte. De pouca instrução e mal sabia assinar o nome, mas tinha uma espiritualidade e sabedoria de causar inveja a qualquer letrado. Fazia de tudo, mas sua especialidade era lavagem de roupas. Ninguém cuidava tão bem de roupas como ela, por isso tinha muitos clientes. Era disputadíssima. Na sua época não havia máquina de lavar.


Viveu sempre sozinha, porém tinha muitos amigos. As pessoas a adoravam pela luz que resplandecia dela e pela alegria que sempre passava ao ambiente. Nunca se ouviu uma reclamação sequer da Laurinda. Para ela, tudo estava no seu lugar e dizia sempre que nada na vida acontecia por acaso, que tudo era fruto de nossas escolhas. Isso não era fácil de entender e aceitar. Mas Laurinda não insistia sobre isso com ninguém. Dizia apenas uma vez e não repetia.


Devido a sua beleza, interior e corporal, Laurinda era muito assediada pelos homens, contudo, sempre soube se esquivar dos malandros que só queriam se aproveitar de seu corpo. Um belo dia ela anunciou que estava grávida. Essa notícia caiu como uma bomba sobre as pessoas com quem se relacionava e logo faziam a pergunta: “Quem era o pai?” Mas Laurinda nunca respondia e o mistério não foi desvendado.


Quando o filho nasceu, Laurinda não escondeu sua alegria. A criança herdou toda a beleza da mãe. Negro de cabelos liso, cabeçudo e franzino. Não seria alto como a mãe. Recebeu o nome de Laurimar e foi criado como um príncipe. Laurinda se desdobrava no trabalho para proporcionar àquele garoto tudo o que era necessário para o bem-estar da criança.


Lau, como passou a ser chamado, cresceu num ambiente saudável por ter recebido uma boa educação e bons exemplos de comportamento. Absorveu o jeito quieto e calado da mãe. Era um garoto tímido, mas em algumas oportunidades deixava externar sua inteligência. Aliás, essa inteligência foi demonstrada no colégio que ele frequentava, pois sempre teve um excelente aproveitamento.


Apesar da timidez, Lau se relacionava bem com os colegas. Era brincalhão, irônico e muitas vezes sagaz. Todos gostavam dele, apesar de não possuir os mesmos atributos e espiritualidade de sua mãe.


Quando chegou a época de ir para a faculdade, Lau teve que mudar de cidade. Foi morar longe da mãe, na capital. Perdeu os cuidados e a proteção dela, entretanto, ele soube se virar muito bem, inclusive até sua timidez foi se dissipando.


A despeito de seu bom relacionamento com as pessoas, Lau era misterioso. Pouco se sabia, porque ele não confidenciava nada com ninguém. Formou-se em engenharia. Casou-se e descasou e não se sabe se teve filhos nesse relacionamento amoroso. Aos poucos, as pessoas que interagiam com ele foram perdendo contato até que sumiu em definitivo. Foi morar em lugar desconhecido.


Certo dia, chega informação de que Lau havia morrido - notícia ruim chega rápido, como diz o ditado. Assim como tudo na vida dele foi um mistério, seu falecimento também o foi. A notícia causou muito estupor aos amigos mais chegados. Ninguém conseguia chorar e nem comentar nada. Laurinda chorou muito, como toda mãe chora ao receber uma notícia dessa natureza a respeito do filho. Mas logo recuperou sua serenidade. Quando as pessoas externavam suas condolências, Laurinda sorria e agradecia, deixando-as estarrecidas, pois não entendiam o comportamento sereno dela. Essa reação era porque não compreendiam ou não percebiam a fibra de Laurinda que continuou tocando a vida como se nada tivesse acontecido.

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