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Conto de Roberta Zancani

Com 21 anos e acumulando fracassos amorosos

Sentia-me invadida por um vazio sem tamanho

Olhava para o horizonte rosado quando o sol se preparava para dormir

Observava as nuvens alaranjadas entre os prédios da cidade de São Paulo


As luzes começavam a acender em cada moradia,

Cada uma no seu tempo, todas em sincronia

Olhei firme para o céu e perguntei:

Em meio a tantas pessoas no mundo, como eu não havia encontrado o prazer? Em meio a

tantas vidas, porque a minha tinha que ser cinza?


Senti um impulso de nostalgia

E como um sussurro de um vento quente de primavera

Ouvi em forma de poesia:

“Abra o seu baú de relíquias”


Sem entender a razão e sentindo forte impulso

Desenterrei na poeira de meu armário

Com cheiro de mofo e gosto de saudade

Minha antiga caixa de alumínio de bolacha suíça


Cartas de antigos namorados,

Bilhetes de amor entre amigas

Um chaveiro com a letra “R”

E um livreto cuja capa tinha uma fogueira e uma rosa como insígnia


Abri aletoriamente em uma página e encontrei um encanto, uma magia em forma de rima:

“Em caso de sentir a morte em vida

Vá para a floresta perdida

Na luz da lua cheia e no calor da fogueira

Ofereça seu sangue e eternamente semeará o prazer da vida”


Meu coração bateu forte, como se estivesse correndo de um animal selvagem


Minha boca secou, engoli o amargo do medo

Senti um pavor, um momento de descontrole no falso controle que achava que tinha

Sabia o que tinha que fazer, mesmo assim me sentia frágil como uma menina


Procurei na gaveta da sala um mapa antigo do Brasil

Abri na antiga mesa redonda, que havia sido uma herança de família

Fechei os olhos, encontrando coragem no escuro da mente

Aponteia minha mão para o céu e desci até que minha pele encontrasse o pedaço de papel

Abri os olhos, destino: Chapada Diamantina


Olhei meu calendário lunar,

Menstruação na Lua Cheia

Janeiro ...

Mês de Verão intenso


...


Carregando apenas uma mochila e o medo

Cheguei no lugar indicado pelo morador da vila, um refúgio em meio a imensidão da Chapada

Montei a barraca, preparei comida

Em meio a lágrimas de solidão, pelas constelações fui acolhida


Senti contrações em meu útero, uma dor doida

Preparei um chá de ervas

Me acolhi na respiração

Enquanto sangrava o que era para ser vida


Olhei para o céu

Pela posição do Sol faltava um bom tempo para escurecer

Sentindo um impulso

Resolvi me apresentar a mata


Borboletas azuis


Precipícios de vida

Riachos e suas nascentes

Aroma de plantas na brisa


O entardecer chegou

A estrela Dalva surgia

No céu repleto de estrelas

Ela dançava como bailarina


Olhei para o horizonte distante

Assim como um felino encontra a sua comida

Avistei em meio a pequenas nuvens

A tal floresta perdida


Caminhei incerta da certeza

E entrei na terra prometida

Senti um frio na alma

Como água de cachoeira que faz você tremer de morte e de vida


No centro da floresta encontrei um pequeno refúgio em formato de círculo

Uma fogueira e um cheiro forte e suave de incensos feitos pela natureza

O céu já estava escuro e tudo agora eram silhuetas


Senti um tremor no peito

Do outro lado do círculo vi seu corpo nu

Parecia uma obra tocada pelas mãos da divina

De tanta beleza que tinha


Senti um aperto no ventre

Mistura de medo e vontade lasciva

As montanhas celestiais de seus seios

E o pulsar das pétalas de rosa no seu triângulo de vida


Começou a cantar com magia

Enquanto seu corpo dançava no ritmo da melodia

Me chamou para si com determinação e calma

Ela sabia o que queria


A beleza nunca havia me sido mostrada

Senti meu corpo vivo, repleto de alma

Tirei o pouco de roupa que tinha,

Soltei os meus cabelos e fui ao encontro daquela

Que me mostraria os prazeres da vida


Na sua pele senti o fogo

Na sua respiração no meu pescoço, o vento acolhedor e morno

Em suas pernas tateava a água por hora cristalina e fluída

Por hora espessa, vermelha e sagrada


Deitamos na Terra

Balançando como ondas do mar morto que havia revivido

Em sintonia com cada partícula

Que pela fricção se unia


Uma explosão de estrelas

Um fluxo incontrolável de água

Gemido que veio de dentro da caverna ancestral

Ejaculando vida à mata


...


O canto de bom dia do pássaro ecoou entre as árvores

Olhei para o lado e estava sozinha

Procurei em todas as partes pela obra divina

Chamei pelo seu nome que nem nome tinha


Ainda em dúvida de onde estava

Quem eu era

E se realmente ela existia

Caminhei em busca de vida


Reconheci-me nua,

No reflexo do lago,

Meu corpo marcado de sangue

Exalando pecado


Pecado que foi inventado

Para nos privarmos do prazer do fogo

De amar e ser amada


...


Naquele dia que estava vendo as nuvens da janela

Era com Deus que eu havia conversado

Foi Deus quem me apresentou o prazer da vida

Foi com Deus que aprendi que pecado é viver sem gozar



Roberta Zancani é uma das 20 integrantes do Grupo LGBTQIA+ de Novos e Novas Autores do Projeto É DIA DE ESCREVER.

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