Com 21 anos e acumulando fracassos amorosos
Sentia-me invadida por um vazio sem tamanho
Olhava para o horizonte rosado quando o sol se preparava para dormir
Observava as nuvens alaranjadas entre os prédios da cidade de São Paulo
As luzes começavam a acender em cada moradia,
Cada uma no seu tempo, todas em sincronia
Olhei firme para o céu e perguntei:
Em meio a tantas pessoas no mundo, como eu não havia encontrado o prazer? Em meio a
tantas vidas, porque a minha tinha que ser cinza?
Senti um impulso de nostalgia
E como um sussurro de um vento quente de primavera
Ouvi em forma de poesia:
“Abra o seu baú de relíquias”
Sem entender a razão e sentindo forte impulso
Desenterrei na poeira de meu armário
Com cheiro de mofo e gosto de saudade
Minha antiga caixa de alumínio de bolacha suíça
Cartas de antigos namorados,
Bilhetes de amor entre amigas
Um chaveiro com a letra “R”
E um livreto cuja capa tinha uma fogueira e uma rosa como insígnia
Abri aletoriamente em uma página e encontrei um encanto, uma magia em forma de rima:
“Em caso de sentir a morte em vida
Vá para a floresta perdida
Na luz da lua cheia e no calor da fogueira
Ofereça seu sangue e eternamente semeará o prazer da vida”
Meu coração bateu forte, como se estivesse correndo de um animal selvagem
Minha boca secou, engoli o amargo do medo
Senti um pavor, um momento de descontrole no falso controle que achava que tinha
Sabia o que tinha que fazer, mesmo assim me sentia frágil como uma menina
Procurei na gaveta da sala um mapa antigo do Brasil
Abri na antiga mesa redonda, que havia sido uma herança de família
Fechei os olhos, encontrando coragem no escuro da mente
Aponteia minha mão para o céu e desci até que minha pele encontrasse o pedaço de papel
Abri os olhos, destino: Chapada Diamantina
Olhei meu calendário lunar,
Menstruação na Lua Cheia
Janeiro ...
Mês de Verão intenso
...
Carregando apenas uma mochila e o medo
Cheguei no lugar indicado pelo morador da vila, um refúgio em meio a imensidão da Chapada
Montei a barraca, preparei comida
Em meio a lágrimas de solidão, pelas constelações fui acolhida
Senti contrações em meu útero, uma dor doida
Preparei um chá de ervas
Me acolhi na respiração
Enquanto sangrava o que era para ser vida
Olhei para o céu
Pela posição do Sol faltava um bom tempo para escurecer
Sentindo um impulso
Resolvi me apresentar a mata
Borboletas azuis
Precipícios de vida
Riachos e suas nascentes
Aroma de plantas na brisa
O entardecer chegou
A estrela Dalva surgia
No céu repleto de estrelas
Ela dançava como bailarina
Olhei para o horizonte distante
Assim como um felino encontra a sua comida
Avistei em meio a pequenas nuvens
A tal floresta perdida
Caminhei incerta da certeza
E entrei na terra prometida
Senti um frio na alma
Como água de cachoeira que faz você tremer de morte e de vida
No centro da floresta encontrei um pequeno refúgio em formato de círculo
Uma fogueira e um cheiro forte e suave de incensos feitos pela natureza
O céu já estava escuro e tudo agora eram silhuetas
Senti um tremor no peito
Do outro lado do círculo vi seu corpo nu
Parecia uma obra tocada pelas mãos da divina
De tanta beleza que tinha
Senti um aperto no ventre
Mistura de medo e vontade lasciva
As montanhas celestiais de seus seios
E o pulsar das pétalas de rosa no seu triângulo de vida
Começou a cantar com magia
Enquanto seu corpo dançava no ritmo da melodia
Me chamou para si com determinação e calma
Ela sabia o que queria
A beleza nunca havia me sido mostrada
Senti meu corpo vivo, repleto de alma
Tirei o pouco de roupa que tinha,
Soltei os meus cabelos e fui ao encontro daquela
Que me mostraria os prazeres da vida
Na sua pele senti o fogo
Na sua respiração no meu pescoço, o vento acolhedor e morno
Em suas pernas tateava a água por hora cristalina e fluída
Por hora espessa, vermelha e sagrada
Deitamos na Terra
Balançando como ondas do mar morto que havia revivido
Em sintonia com cada partícula
Que pela fricção se unia
Uma explosão de estrelas
Um fluxo incontrolável de água
Gemido que veio de dentro da caverna ancestral
Ejaculando vida à mata
...
O canto de bom dia do pássaro ecoou entre as árvores
Olhei para o lado e estava sozinha
Procurei em todas as partes pela obra divina
Chamei pelo seu nome que nem nome tinha
Ainda em dúvida de onde estava
Quem eu era
E se realmente ela existia
Caminhei em busca de vida
Reconheci-me nua,
No reflexo do lago,
Meu corpo marcado de sangue
Exalando pecado
Pecado que foi inventado
Para nos privarmos do prazer do fogo
De amar e ser amada
...
Naquele dia que estava vendo as nuvens da janela
Era com Deus que eu havia conversado
Foi Deus quem me apresentou o prazer da vida
Foi com Deus que aprendi que pecado é viver sem gozar
Roberta Zancani é uma das 20 integrantes do Grupo LGBTQIA+ de Novos e Novas Autores do Projeto É DIA DE ESCREVER.
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