O contato com a superfície dura do assento sanitário não a incomodava tanto quanto o reflexo de seu rosto encovado, refletido em todos os ângulos, no espelho pendurado ao lado da privada. Fora sua a idéia colocar o espelho lá, para se ver bonita todas as manhãs, do meio da barriga até o topo de sua cabeça – o máximo de seu corpo que seria refletido, pelo posicionamento dele na parede.
Viu seus olhos percorrerem além do espelho, com uma atenção que não exibira antes, e começou a perceber os detalhes em volta. Os ladrilhos de cor cinza-claro, com rejunte cinza escuro em algumas partes - seria sujeira acumulada pelo tempo? Anotou mentalmente que uma limpeza drástica seria necessária se conseguisse reunir forças, mais tarde. Passeou seu olhar até onde os azulejos terminavam, encontrando a parede branca de PVA.
- Por que não pintaram com tinta a óleo, pelo amor de Deus? Todos sabem que banheiros exigem tinta a óleo!
Levantou a cabeça e começou a perceber as nuances de tudo à volta. Não percebera, em todos os anos que usara aquela parte da sua casa, como o ambiente era claro e amplo. O teto – também pintado com branco-PVA – era recortado por duas tiras de madeira não envernizada, distribuídas no sentido perpendicular à porta. Quem pintara antes não tomou cuidado com o branco, manchando a madeira.
- Por que manter a madeira aparente e não pintar tudo de uma só cor? Coisa de preguiçoso mesmo! Anotou mentalmente que precisava re-pintar o teto, desta vez todo de branco-óleo. Aproveitaria a ocasião para limpar o lustre, que estava colecionando insetos mortos, provavelmente atraídos pela luz branca e intensa quando acesa.
- Como estes insetos entraram no lustre? Imbecis, enganados pelo brilho, encontraram a morte. Bem feito, seus idiotas!
Concentrando seu olhar crítico no chão, notou que perto do vaso sanitário a cerâmica era diferente, com aspecto rugoso. Era a única parte que destoava do resto.
- Ué, será que faltou piso igual para completar? Ou será que foi colocado de propósito, para que os que usassem a privada de pé não escorregassem com o próprio xixi derramado no chão? (riu com sua observação, lembrando de quantas vezes ralhava com o marido por não acertar o alvo sem pingar fora).
Notou a plantinha língua de sogra em cima da estante de vidro, ao lado e no ângulo da parede próxima à banheira que nunca usara, por ser larga e alta demais para seu corpo miúdo. Lembrou que havia aguado o vaso no dia anterior.
Por último, percebeu os armários escuros, um acima e o outro abaixo da pia. Ambos cheios de seus cremes preferidos, que comprara com o intuito de usar religiosamente pela manhã e à noite, diariamente. Levantou do vaso sanitário, e andou em direção aos armários. Outro espelho menor refletiu seu rosto, desta vez mais relaxado. Abriu as portas, pegou os cremes diurnos, passou na face.
Olhou para o espelho, e sorriu para a imagem que, agora, lhe sorria de volta.
Gattorno Giaquinto
# 16: texto descritivo
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