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Porta de Saída


Psicólogo e paciente conversando em um consultório
Conversar é um bom remédio para abrir portas. (Imagem DALL-E 3)

— Então. Como foi sua semana?


O psicólogo me faz essa pergunta todas as vezes. Pra quebrar o gelo, acho. Deve fazer pra todos os que vêm ao consultório despejar seus problemas. Pago pra que me escute. E que me ajude a fazer escolhas. Olho pra ele, em resposta. Por que não consigo rebater à pergunta tão idiota?


Podíamos começar de onde paramos na outra sessão, talvez. Pra transparecer que se importa comigo, que me escuta. Ele sabe que meus dias têm sido difíceis. Se perguntasse de outra forma, quem sabe me ajudaria mais? Esse silêncio é constrangedor. Perguntas sem respostas deveriam provocar outras perguntas. Se eu estivesse na posição dele, tentaria de outra forma

— Você fez os exercícios que conversamos na semana passada? Ou

— Você parece bem (ou mal). O que mudou da semana passada para cá?


Tem tanta coisa que eu poderia responder pra ele! E a nossa sessão iria fluir. Ele não parece se importar com a minha semana. Disso eu bem sei.

— Eu estou mal, não consegui falar o que gostaria — eu responderia.

— Continuo agindo do mesmo jeito — com essa minha resposta, seria aberto um imenso campo de diálogos. Minhas batalhas estariam prontas para mais um embate. Os que me impedem de falar.

— O que você gostaria de ter dito? O que você gostaria de ter feito? — assim, eu me animaria a desabafar.


Nada, nenhuma pergunta, nenhuma palavra. Continuamos mudos. Continuo olhando pra ele no meu pedido silencioso de ajuda, e ele continua olhando para mim, esperando algo que não consegue sair sem a pergunta certa. E como olha para o relógio! Ele acha que não percebo sua tentativa de discrição. Ele acha que não me importo com a sua falta de interesse em me ajudar. Será que faz isso com todos os pacientes ou só comigo? Será que não vê o quanto estou imersa na dor de não fazer o que deveria? De não sair do lugar onde não quero mais ficar?


Por que não me ajuda nisso? Por que não tenta tirar a tampa que me cobre e me paralisa na decisão certa a tomar?

— Você saiu de casa?

— Você disse não ao seu casamento?

— Você disse sim a você mesma?


São perguntas tão simples, e ele não as faz. Fica me olhando, certamente me criticando por ser uma mulher boba que não sabe o que precisa fazer pra tomar um rumo na vida. Ou pensa, talvez, no belo almoço que a própria esposa deve estar preparando para saciar a fome que terá depois que atender quatro, quiçá cinco pacientes como eu.


O silêncio me incomoda, o silêncio dele me irrita. O silêncio dele me apavora. Se ele não falar algo, sinto que vou explodir. Vou falar tudo o que penso dessa terapia idiota que não está adiantando nada. Vou falar pra todo mundo que ele é um péssimo profissional, que não tem empatia. Que ele é igual ao meu marido, que só faz me cobrar pela comida na mesa, pelo sexo na cama, pela educação dos filhos, que são meus e dele.


Devem ser parecidos. Devem ser da mesma laia. Mereciam ser despejados em casa, ficar sozinhos com suas manias, enterrados em seus silêncios egoístas. Ambos não perguntam o que está tão visível à frente. Se calam para não sair de suas zonas de conforto. Criam zonas de silêncio para não provocar mudanças. Acham que o olhar fala o que a boca não diz.


Como espero mudar, se não consigo mandar esse psicólogo calado à mxxxa, falar que não preciso dele para tomar minhas próprias decisões? O que me impede de levantar agora, pegar a minha bolsa e sair batendo a porta com força, gritando um basta a esse cara?


Eu não aguento mais esse silêncio, eu não aguento mais essa estátua contemplando meu silêncio. Eu não quero mais isso, vou sair sem uma palavra, sem um adeus. Vou fechar a porta desse outro inferno.


— Eu estou aqui. Ainda temos quarenta minutos para que você possa me contar o que está passando na sua cabeça agora. Eu estou aqui lhe esperando para, juntos, lhe ajudar.


A frase dele me trouxe à realidade. Levanto, pego minha bolsa, sorrio e agradeço. Vou sair sem bater a porta. Não essa porta.




 

Goretti Giaquinto

Desafio #55 de 365

Tema: Um Tenso Monólogo

Escrever um monólogo ficcional com personagem enfrentando uma decisão difícil.

Conversar com alguém abre possibilidades, pacifica monólogos internos...

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