Diálogo Com o Meu Corpo
- Edu Mussi
- 4 de ago.
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Depois de passar uma péssima noite com dormida agitada, me acordei, sentei na beira da cama e fiquei estático, com o olhar vazio, sem forças para me mexer. Não sabia se me levantava ou se deitava novamente. Não tinha ânimo para fazer nada. Parado, com as mãos apoiadas nos joelhos, olhei para frente e não sei quanto tempo fiquei naquela posição. De repente, fui despertado por uma voz:
– Desanimado, né cara?
Assustado, ergui-me de supetão e busquei em torno do quarto para descobrir de onde havia saído aquela fala:
Percebi que a voz saia da minha boca, sem meus lábios se mexerem. Relutei em falar algo, porque duvidei de minha lucidez, mas me enchi de coragem e perguntei:
– Quem é você?
– Sou seu corpo.
– Meu corpo?! – Fui até o espelho, olhei todas as partes do meu corpo para ver se descobria algo diferente, mas ouvi a voz, novamente:
– É isso mesmo que você vê. Mas não adianta ficar parado a me olhar, porque você não aceita o estado no qual me deixou. Já naturalizou esse aspecto disforme e nem percebeu a transformação.
Resolvi assumir aquele diálogo esdrúxulo e falei:
– Tudo bem, o que você quer de mim?
– Não quero nada, apenas ouça meu desabafo, porque estou cansado e minha resiliência vai esgotar a qualquer momento.
– O que você quer dizer com isso?
– Não se faça de desentendido. Você me compreende muito bem.
– Não entendi. Seja mais claro e objetivo, por favor.
– Pois bem... Sempre fui tratado sem o mínimo de cuidado, desde quando nos encontramos. Mas nem vou me reportar aos tempos de criança e adolescência, porque se trata apenas de uma fase passageira e a gente deve relevar certos comportamentos inadequados. Porém você trouxe os vícios adquiridos daquela época e os mantém como adulta. Esperava mudanças no seu comportamento, mas piorou. Você me trata como se fosse um objeto sem importância, descartável e substituível.
– Não exagera!
– Para você ter ideia da gravidade do momento, meus companheiros reuniram-se comigo e pediram-me para levar até você, as reclamações deles com o intuito de o sensibiliza-lo com o os acontecimentos.
– Companheiros? Isso é demais para mim!
– Claro, companheiros. Esse corpo é formado pela união de todos e você usa e abusa dele. Vou começar pelo estômago. Ele queixa-se de ser tratado como um saco de lixo e o deixa exausto de fazer tanta reciclagem todos os dias. Disse que além da péssima qualidade do lixo jogado para dentro dele, a quantidade é exagerada. Precisou expandir-se para poder acomodar tudo. Olhe-se no espelho e veja se ele não tem razão. Queixou-se da boca e reclamou por ela não fazer uma filtragem e deixar passar tanta porcaria. “Não tenho como evitar. Não depende de mim”. Disse ela. O intestino desabafou e falou que em breve faria greve e deixaria o lixo se acumular, com o objetivo de chamar a atenção para o problema. O fígado se queixou de trabalhar exaustivamente na tentativa de limpar seu sangue, mas alertou que vai passar muito lixo porque está esgotado.
– Espera, espera, isto é verdade? Você não inventou só para me intimidar?
– Por que faria isso, meu amigo. Se eu for para o brejo, você também irá junto. Claro que você tem alternativa de ir para outro lugar, só não sei para onde. Eu tenho certeza de me tornar comida de vermes ou um monte de cinzas.
– Tudo bem. Tem mais alguma reclamação?
– Alguma? São muitas.
– Então prossiga de uma vez.
– O pâncreas queixou-se pela baixa produção de enzimas, pois está aquém do necessário, devido a enxurrada de álcool que é jogado todo dia para dentro dele e alarmou para as consequências funestas nos outros companheiros. Advertiu para prestar atenção nos rins. Um deles paralisará a qualquer momento..
– Por isso que percebi minha urina meio esquisita.
– Ah, é?? Você percebeu e não associou aos péssimos hábitos adotados. Nos últimos tempos você começou a introduzir um pó branco horrível através do nariz. Sei disso porque ele se queixou para mim. Falou-me de seu sofrimento por isso.
– Até o nariz reclama??
– Pois é, meu amigo. Ele reclama pelo incômodo causado por aquele pó, mas o pior é o cérebro. O coitado destrambelhou-se por causa dessa porcaria introduzida no nariz. Ele precisa aumentar cada vez mais os esforços para gerir os demais companheiros. Mas se queixou por não conseguir muito sucesso com as pernas e os braços. E você nem se dá conta.
– Percebi, sim. Observei uma certa fraqueza nos braços e pernas. Mas isso é cansaço por trabalhar muito.
– Pois é... não é isso não. Você está equivocado.
– Ainda tem mais reclamação?
– Meu amigo, se fosse relatar todas e incluir os detalhes, daria um livro do tamanho de uma bíblia. Mas vou falar de mais duas, apenas.
– Ainda bem, porque já adoeci só de ouvir essas queixas.
– Seus pulmões estão uma lástima. Quem me disse foram eles. Relataram-me de uma forma como se tivessem acabado de fazer um corrida longa. Fiz essa observação, mas eles esclareceram não ser nada disso. O motivo de apresentarem esse estado, é a ingestão de fumaça diariamente. E essa porcaria, palavras dele, cria uma massa escura e dificulta cada vez mais a circulação do ar. Quem se encontra bastante abalado, também, é o coração. Faz cada vez mais força no bombeamento do sangue. Ele desconfia de uma parada a qualquer momento.
– Nossa! Isso me parece um drama, exagerado.
– Nada disso, meu amigo. Você, com sua arrogância, acha tudo isso imaginação, irrelevante. Uma última queixa para finalizar, Sinto-me inchado de gorduras por todas as partes. E você não quer ver. Me assusta mais, ainda, é o aumento disso a cada dia e reflete paulatinamente na mobilidade.
– Ah, chega de lamentações! Vá a merda com suas queixas. Hoje é sábado, vou a uma churrascada e encher a cara. Tchau.
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