Se o Meu Amor Fosse invisível
- Luc Palacios
- 17 de mai.
- 7 min de leitura

Às vezes, a gente só quer sair do trabalho e desaparecer, relaxar, ficar sem ninguém enchendo nossa cabeça de coisas inúteis que só dão raiva e que temos certeza que vai dar merda. Para isso, costumo descer do ônibus na frente do shopping, ir direto para a livraria e procurar um livro novo para ler - ou guardar na estante ;p.
Geralmente, saio de mãos vazias, mas acabei de ver um com a capa azul e duas meninas gamers sentadas (um casal perfeito). "Sou leitor e é óbvio que vou comprar um livro pela capa" - eu tentando ser novo, pegando frases do Reels.
Como todo leitor, preciso saber mais detalhes, sentir o livro, cheirá-lo, folheá-lo. Então, tento tocar na capa e... "AIIIIIII", parece uma mão. Não tem nada, mas juro que senti uma mão debaixo da minha. Olho para os lados, ninguém por perto, mas ouço uma respiração forte, um calor diferente em volta. Bem, deve ser emoção demais pelo livro.
Levei um baita susto, mas quer saber? Vamos esquecer e começar esse livro logo, por favor! O coração já está batendo a milhões, um romance entre duas meninas gamers é o sonho de todo adolescente - e velhos de trinta como eu. Leio as primeiras páginas e dá uma raiva, a personagem se fingindo de menino só para não sofrer com os idiotas machistas do game e... Respira. Quero desenhar sobre essa cena. Para marcar o livro, nada melhor que uma das minhas poesias incompletas.
"Para nos beijarmos
Depende de nós
O bico eu já fiz
A casa vazia já deixei
A cama arrumada..."
Folheio as primeiras páginas, o prefácio é muito bom, coloco a poesia nas páginas, fecho o livro e deixo-o no assento ao lado. Me viro para a mochila, pego meu caderno de desenho e minha lapiseira, volto para pegar o livro e... Que papel é esse em cima da capa?
"Bagunça na certa
O som leve fundo pra
dar aquela harmonizada
Uma pena é que o que me faltou
Foi a sua presença
Que me deixou na mão
Em meio a solidão
De esperar por algo
Uma resposta...
E ficar em vão"
Olho para os lados, vejo o silêncio de um lado e o vazio do outro. Alguém finalizou a poesia e eu adorei, mas de onde veio?
"Olá, E.T. que finalizou a poesia, muito obrigado. Confesso que estou assustado por não saber se estou delirando ou só sendo o louco criativo de sempre. Então, estou aqui para conversar. Que a força esteja com você, namastê."
Coloco essa cartinha no banco e espero, nadica de bitibiriba. Tudo bem, então. Me viro para guardar minhas coisas, melhor eu ir descansar um pouco. Mas agora, o bilhete está aberto.
"Olá, terráqueo. Eu venho em paz e estou adorando esse livro que comprou. Queria estar na pele delas e... quase te dei spoiler"
- Oh, seu E.T., pode parar que spoiler eu não aceito - falo em voz alta.
- Tá legal, tá legal. Não vou dizer que elas... - Que voz gostosa e leve,
inteligente e doce, xonei.
- Parou por aí, senão eu vou embora agorinha mesmo.
- Tá bom, parei.
- Onde cê tá?
- Um mágico nunca revela seus segredos.
- Crueldade. Então, se você não for obra da minha cabeça, vai voltar amanhã para me abduzir. Aliás, me chamo Luiz.
- Sou o Murillo - Murillo...
E vocês acreditam que ele me abduziu mesmo? Mas calma o coração, que ainda vou chegar lá.
A curiosidade de fazer meus delírios parecerem verdade me leva, de novo, ao banco em frente a livraria.
- Olá, terráqueo!
- Olá, Murillo. Estou sonhan... AIII! Tá doido? Como assim me beslicou?
- Você disse que estava sonhando, agora sabe que não.
- Vou falar nada viu! Aliás, achei que não viria.
- Mas eu vim e tô com fome, senhor Luiz. Então, preciso de uma solução.
- Vou de batata recheada com palmito, molho de tomate, queijo parmesão e batata palha... delícia!
- Eu vou de lanche mesmo.
Estava uma delícia aquela batata. O queijo esticava, o molho transbordava, a batata macia. Ai, como é bom!
- O que acha de irmos na Expo Game aqui no shopping?
- Agora?
- Isso mesmo.
- Eu preciso ir para casa, mas que tal amanhã?
- Combinado. Mesmo bate canal, mesmo horário.
1º dia:
O espaço da ExpoGame é maravilhoso. Estou pirando com os jogos dos anos 90, mas, acima de tudo, dançar com Kinect é minha paixão. Ele mal conhece os jogos, mas está acabando comigo (juro que não estou deixando ele vencer ;P).
2º dia:
Finalmente cheguei na página que ele está. Então, sentamos no jardim e sinto sua cabeça encostar no meu ombro, seus braços enrolarem no meu... (me sinto no país das maravilhas). As personagens finalmente vão se encontrar, estou ansioso e parece que ele também.
- Ok, eu faço a fantasiada e você a paixão da minha vida - Eu não posso perder a oportunidade de encenar essa história.
- Como assim?
- Oxi, vamos fazer um teatro ao ar livre - Sim! Eu, Luiz, não tenho noção alguma do ridículo. Importa viver o momento e ser feliz.
- Hmm, eu não sei não.
- Vamos logo!
Puxo, acho que seu braço, para ficarmos em pé. As pessoas devem estar me achando louco, um cara fazendo um monólogo no meio da praça.
Corremos, falamos, dançamos (pelo menos eu estou dançando). Então, seguro a mão dele. Sinto sua mão esfriar e ficar úmida. Meu coração acelera, me aproximo. Então...
- É... Acho que preciso ir. Sabe? Tenho algumas coisas para estudar para a prova de amanhã.
- Annhhh, ok?! A-Até amanhã?
- Sim, sim. Até amanhã.
Silêncio. Que estranho, não acha? Bem, vamos ver como será amanhã.
3º dia:
- Desculpe por ontem, Lu. Fiquei um pouco nervoso.
- Ah, relaxa. Tá tudo bem!
- Pra compensar, quero te levar em um lugar que eu sempre quis ir.
- Onde?
- Você vai ver.
Ele pega minha mão e saímos correndo. Chegamos ao centro do Shopping, um grande espaço com camas elásticas e piscina de bolinhas. Minha criança interior gritando aqui super alto. É a primeira vez que vejo o formato do corpo dele e em meio um monte de bolas. Hey, mente poluída. Dou um jeito de jogar uma bolinha turquesa para fora e me faço de desentendido. Alguém viu?
Ainda bem que não.
4º dia:
- Ahh, vamos...
- Ao cinema? - Eu adoro histórias, quero que ele veja algo que gosto, algo que me torna quem sou - Ontem, você me deu a piscina de bolinhas; hoje, vou te dar algo especial para mim... mundos e universos.
- Hmm... Ok. Qual filme?
- Você vai ver.
Sala especial chamada namoradeira ;). Duas cadeiras estofadas, confortáveis e sem o braço do meio. O emocionado aqui pensou em tudo. Sentamos. As lágrimas caem, seu corpo desce até o meu, abraço-o. "Era assim, solitário. Uma praia, um beijo. Um soco no rosto, o sangue pingando. O reencontro de uma paixão, um desprezo. Um amor por si mesmo". Pelos soluços, o filme não foi fácil para ele.
Saímos em silêncio, olho para fora e vejo apenas o reflexo do cinema pelo vidro das janelas.
- Olha, me perdoa. Eu não queria te deixar triste. E-Eu só... Só gosto desse filme e achei que... - Cheiro de rosas, toque suave, meus olhos se fecham, sinto o chão deixar meus pés, o coração acelera. Que lábios macios e doces. - Você é muito bonito.
- Como?!
- Murillo, você é muito lindo!
- Como você sabe? Nem consegue me ver.
- Eu te vejo sim e você é lindo.
Ele olha para mim com uma expressão de desconfiança. Toco o rosto dele, ele recua e olha para todos os lado. Ele se vê, vê o brilho de seus olhos. Ele coloca a mão no rosto, volta a me olhar. Que expressão de um rapaz
assustado.
- Está tudo be...
Ele sai correndo como um grande maratonista.
- MURILLO, CALMA! - Mas ele já não está mais aqui.
Eu sou emocionado, eu sei. Sinto falta dos nossos rolês. Talvez, se eu não tivesse mostrado aquele filme, ele estaria aqui. Confesso que tentei deixar algumas cartas no banco. Sim, aquele banco que nos conhecemos. Por que ele não responde? Do que tem tanto medo? Eu não... não sei :(.
"Querido Murillo,
Eu queria que as coisas tivessem sido diferentes. Faz 29 dias que não tenho respostas suas e penso que eu deveria desistir, mesmo que, lá no fundo, eu queira te reencontrar e uma chama de esperança não apaga. Lembro do que conversamos, do que fizemos juntos, do que eu imaginava que faríamos juntos. Me apaixonei por você, de verdade. Pensar em você ainda faz meu coração acelerar, me dá comichão no estômago e um sorriso invade meu rosto.
Bem entendo seu tempo e sua decisão, mas não posso ficar aqui para sempre. Amanhã, virei neste lugar pela última vez. Espero que leia essa carta e apareça.
De seu apaixonado e iludido.
Luiz"
Coloco o livro no banco, a carta dentro da capa e deixo-o ali sozinho.
O livro, por incrível que pareça, está do mesmo jeito que eu deixei. Sem marcas de dedo, sem um milímetro fora do lugar, sem uma carta em cima, sem um amaçado a mais. Só um silêncio que segura a capa bem fechada. É isso, então.
Queria que fosse um romance adolescente clichê fofinho e que aquece o coração. Vou sentir falta dele.
- Adeus, meu amorzinho! - Já se sentiu nadando em um oceano fundo no meio de uma tempestade?
Caminho até a porta, viro e olho para o banco, o livro continua intacto. Respiro fundo, atravesso a porta, sinto o vento tocar meu rosto molhado e... Sinto um aperto forte em minha mão esquerda. Me viro, mas não vejo nada.
- Murillo?
- Eu sinto muito. Estou com medo, nunca ninguém me viu de verdade.
- Tá tudo bem, estou aqui.
- Você não entende, não consigo...
- Eu continuo aqui!
- Mas...
- Eu vou estar aqui - Puxo-o e abraço-o bem forte.
Ouço os soluços, aperto sua cabeça no meu peito e sussurro.
- Eu estou aqui.
Ele levanta, entrego a bolinha turquesa. Seus olhos brilham como o céu noturno cheio de estrelas. Ele se aproxima... O Big Bang, o silêncio e apenas as vibrações a 150 bpm, fui abduzido. A brisa, o aroma, a natureza. Abro os olhos e ele está ali, rosto molhado, olhos marejados, sorriso esticado.
Nós estamos aqui!
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