Recheio

Sentou-se, ao lado do violoncelo, e refletiu: “quais foram os caminhos que permeou para estar onde sonhou?”

De criança forçada por sua mãe a se prostituir, toma-se uma poderosa empresária. Suas malícias sempre lhe favoreceram, da cama ao pedestal da organização dominada por homens.

Através da pauta musical, pontuou toda a rota do seu produto. Desenhou trajetos ainda não percorridos por outros. “Sempre contei com minhas habilidades”.

Estranhas, mas eficazes.

Nunca usou seu corpo para transportar nada, além de proporciona prazer e satisfação sexual.

Tocou seu instrumento, de alegria e trabalho.

Atendeu o celular, um grande pedido chega para ser avaliado e receber a autorização para a remessa. Fica apreensiva e comenta para si mesma:” não conheço esse novo cliente, nunca me contatou, e nunca soube de seu envolvimento nos negócios.”

Existe muitas intrigas entre novos parceiros. Pessoas mais jovens e com pouco conhecimento ocupando os espaços. Causa estranheza essa chegança. Olha a prateleira à sua frente. Admira as cotovias com cabeças enormes multicoloridas, para o deleite de quem as recebe. Bombons. Qual das minhas cotovias devo enviar para esse novo comprador? A com topete verde e branco, ou a de azul e vermelho, ou será você lilás com rosa. Inquieta, retorna ao seu instrumento musical, o violoncelo. Quando toca, consegue avaliar situações que exigem uma melhor análise. Percebe que a tempos a pessoa de sua confiança, está sempre distante, não é mais tão rigoroso com os horários, contrata novos empregados sem necessidade. Insatisfeito, foi sua percepção. É o único que conhece integralmente suas rotas, é quem confia para manipular as preciosas cotovias. Observa novamente a prateleira e tem seu sentido aguçado: fez uma entrega e seu estoque está no mesmo nível da contagem anterior. Como? A quantidade deveria ser menor. E esse último pedido zeraria o estoque. Reina a desconfiança entre seus parceiros. Conclui que suas rotas são cíclicas, saem e retornam para o ponto de partida. As cabeças, devem diminuir a cada remessa enviada. Seu produto está em desvantagem com os jovens que chegam, empurrando a velha guarda, para o fundo, mais distante. Encalha, e em cara tudo como um novo desafio? Não. Entende agora toda a situação, intrigas, desvios, não são seus parceiros os culpados de sua derrota, e sim a confiança em demasia. O produto não é mais puro, e sim diluído em composições que leva a morte seus usuários. Não lhe é favorável as velhas malicias da mulher no topo da organização. A traição chega como cobra, que fica à espreita para o ataque. Como louca destrói seu violoncelo arremessa as cabeças ao vento, paredes, janelas. E o pó dissipa-se rapidamente. Os topetes se espalham pelo chão formando um tapete multicolorido. O vermelho do sangue sobressai.

Está lá o corpo estendido no chão.

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Memória, a foto é de um solo em 2020.