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Presente de Natal

Cássio, gerente de agência de um banco estatal, nunca foi visto estressado, nervoso ou reclamar falta de tempo para fazer algo. Atencioso com todos, clientes e funcionários, quando surgia um problema que parecia grave, ele acalmava os envolvidos e tudo se resolvia.


Odete, solteira, 25 anos, ocupava a gerência de atendimento na mesma agência de Cássio. De corpo esguio, com curvas bem definidas, morena. Seus lábios carnudos despertava atenção, e quando falava, era comum seu interlocutor se distrair pela voz doce da moça.


Num dia de movimento intenso, no final do expediente, depois que a agência foi fechada, Odete arrumava sua mesa para sair, quando Cássio aproximou-se dela:


— Vamos tomar algo numa cafeteria aqui perto?

— Estou cansada, Cássio. Não sei nem se consigo chegar em casa, porque

vou caminhando.

— Por isso, não, vamos no meu carro. Depois lhe levo em casa. Vamos... Me faz companhia. Hoje o dia foi pauleira. –– Cássio adotou voz melosa e convenceu a moça.

—Não precisa chorar. — Brincou — Vou com você. Estou desejando um chocolate quente e bem cremoso.


Depois daquele dia, quando a agência fechava, os dois adquiriam o hábito de ir todos os dias fazer um lanche em algum lugar. A conversa fluía entre eles. Tinham a ideologia de vida muito parecida.


— Vou lhe confessar uma coisa, Cássio, mas por favor, não ria de mim.

— Claro que não rirei de você. Por que faria isso?

— Mesmo trabalhando afastada, eu tenho grande admiração por você. —

Depois de ter falado seu rosto ficou vermelho.

— Verdade? Por que você tem admiração por mim. O que lhe chama atenção?

— A sua paciência em lidar com os outros. A calma que você passa para os clientes nervosos. Ah, Cássio, são tantas coisas.


Desviou o olhar de seu gerente, mas Cássio conseguiu ver que o rosto dela estava vermelho, pela timidez.

— Sabe, Odete, gostei de você ter falado isso, porque me sinto à vontade em falar que também venho observando você há tempos.

— Me espionando é seu Cássio?

— Não querida, admiro o seu jeito delicado de trabalhar. A organização de sua mesa. A forma gentil como trata as pessoas. Nunca a vi se descontrolar diante de um cliente nervoso.


Para disfarçar a timidez, Odete olhou para o relógio e falou:

— Está ficando tarde. Vamos embora?

— Tudo bem. — Cássio pagou a conta e saíram.


Ao chegarem em frente do prédio de Odete, suspirou, encheu-se de coragem e perguntou:

— Você quer subir e tomar um chá comigo? — Você tem certeza? Não está com medo de mim. — Falou rindo.

— Por que medo? Por acaso você é um estuprador?


Ao ingressarem no apartamento, Cássio acomodou-se no sofá e Odete foi até à cozinha, contígua à sala e preparou um chá preto para os dois.


Tomaram a bebida em silêncio, trocando olhares de vez em quando.


Terminaram com o chá ao mesmo tempo e Cássio quebrou o silêncio.


— Por acaso, você tem namorado?

— Não, sou só no mundo. Sou órfã. Fui criada num orfanato.


Cássio ficou tão surpreso com a informação que não conseguia falar. Os olhos parecia que iriam saltar da órbita.


— O que foi, Cássio? O que falei para assustá-lo dessa forma?

— Nada, Odete. Desculpe a minha reação. Assustei-me com a coincidência, pois sou Órfão, também. Não tenho pais. Meus pais foram as freiras do orfanato onde fui criado.

Odete não se conteve e pulou no pescoço do Cássio e o abraçou demoradamente. Ele demorou alguns segundos para reagir e abraçá-la. Quando se afastaram ela falou:

— Acho que é por isso que você sempre me atraiu.

— Só por isso? — Fez uma cara de tristeza.

— Não seu bobo. Gosto de você. — Deu um beijo rápido na boca do Cássio. Ele puxou-a para junto de si, segurou no seu rosto e lhe beijou. Um beijo que começou levemente e aos poucos foi se aprofundando até que suas línguas estavam se digladiando sedentas de amor.


Após separarem suas bocas, Cássio segurou o rosto de Odete, fixou o olhar nela e falou com a voz reticente:

— Gosto de você. Você aceitaria ser minha namorada.


Desse jeito começou o relacionamento dos dois colegas de trabalho. Depois de um ano de namoro, decidiram casar-se. Os dois venderam seus apartamentos e foram morar num maior com três quartos, adquirido por eles.


Depois de um certo tempo de casados perceberam que os filhos não vinham, então foram procurar ajuda médica. Trilharam por diversos consultórios e clínicas especializadas e o diagnóstico era sempre o mesmo: ambos tinham uma deficiência congênita que os impedia de gerar filhos.


Os espermas de Cássio não conseguiriam chegar aos óvulos da mulher, porque morriam no caminho. Odete, apesar de ovular, seu útero tinha uma formação defeituosa que jamais poderia conceber outra criatura no seu interior.


Apesar de tristes, conformaram-se com o diagnóstico, mas levou algum tempo para esquecerem o infortúnio.

— Não vamos deixar isso abalar nosso amor. — Disse com firmeza Odete.

— Concordo com você, querida. Temos a alternativa de adoção, se não quisermos envelhecer sozinhos.

— Pois saiba que já pensei nisso. Bom que você teve a mesma ideia. Vamos conversar com Irmã Celeste.


A freira, amiga do casal, dirigia um orfanato e eles contribuíam com roupas, brinquedos e alimentos para aquela instituição. Visitavam o orfanato todos os domingos. Ao vê-los num dia fora do habitual, ficou feliz, mas ao mesmo tempo curiosa.


— Que bom, tê-los aqui num sábado pela manhã. Não virão amanhã?

— Temos um assunto inadiável para conversar com você.

— Pois não, Odete, vamos aqui para essa sala que é mais reservada.


Os dois sentaram-se em frente à mesa da freira e explicaram que desejavam adotar uma criança e esclareceram-lhe os motivos.


— Fico emocionada em ouvir isso de vocês. Tenho certeza de que a criança que adotarem terá uma vida de felicidade.

— Obrigado, Irmã. — Os dois falaram junto.


Irmã Celeste prestou os esclarecimentos necessários, relativos à adoção de crianças sem, contudo, convencê-los a nada, porque percebeu que era aquilo que eles queriam.


— Podemos marcar a visita para amanhã?


— Claro, Cássio. Como é domingo, aproveitaremos para vocês conhecerem as crianças. Aliás, vocês já conhecem, mas agora as observarão com outro olhar.

— E o Natal já está próximo. Quem sabe nosso filho ou filha já não estará conosco. — Interveio Odete.

— Claro, claro. O que depender de mim isso acontecerá breve. Esperarei vocês amanhã às nove horas. Está bom esse horário?


No domingo, o clima estava maravilhoso. Céu sem um pedacinho de nuvem e temperatura amena. Chegaram pontualmente na hora combinada e sua amiga não perdeu tempo. Levou-os ao pátio interno onde as crianças brincavam. O lugar espaçoso permitia que corressem e se espalhassem com folga.


Odete e Cássio sentaram-se afastados para observar aquelas criaturas que ainda não tinham adquirido o conhecimento do mundo, mas já experimentavam a solidão desde o nascimento.


O casal viu no primeiro momento que haviam muitas opções. Depois de um longo período de silêncio, sem tirar os olhos daquelas criaturas, Odete disse:


— Se pudesse levaria todas, mas só posso com uma.

— Fiquem à vontade. — Disse Irmã Celeste. — Essa é uma decisão muito importante que impactará de forma significativa suas vidas. Portanto, não tenham pressa. Sigam o coração de vocês.


Mais um período de tempo calados se instalou, mas o casal fixou o olhar, em um garoto que aparentava ter 5 a 6 anos, sentado um pouco afastado do grupo, brincando sozinho e, de vez em quando, falava como se alguém estivesse na sua companhia.


Era um menino magro, esguio, de pele negra, cabelo encaracolado, rosto redondo, nariz afilado e lábios carnudos. Odete virou-se para a amiga e falou apontando para o menino:


— E aquele garoto? Nós o achamos muito interessante. Não é Cássio?


Cássio concordou com a esposa e perguntou:


— Vocês têm informação de quando ele nasceu?

— Não sabemos quando e nem onde nasceu. Foi simplesmente deixado em nossa porta, há cinco anos, mas pela sua formação corporal, aconteceu logo nos primeiros dias de nascido.


— No registro dele como consta?

— Como era dia de Natal, registramos o dia 25 de dezembro para festejar seu aniversário. Atribuímos-lhe o nome de Francisco. Mas o tratamos carinhosamente por Chico.

— Muito interessante. — Comentou Odete.


— O mais interessante foi um bilhete encontrado no meio dos panos onde estava embrulhado, que dizia: “Cuidem do meu filho, pelo amor de Deus. Não nasci para ser mãe.”


Chico foi nosso presente de Natal. — Concluiu Irmã Celeste.


— Como ele é no dia a dia, Irmã?

— Odete, o menino é quieto, até demais para sua idade, mas não há nenhum distúrbio com ele. É perfeitamente normal.

— Ele não corre ou joga bola com os outros meninos? — Questionou Cássio.

— Não. Sempre se posicionou apartado do grupo. Senta-se no chão e brinca com os brinquedos disponíveis.

— Olha que interessante. Ele fala com os brinquedos. — Observou Odete.

— Não é com os brinquedos. Ele fala com dois amiguinhos Jô e Tati.

— Que coisa! O ideal seria levá-lo a um centro espírita.

— Talvez, Odete, mas preferimos deixar passar. Acho que é da idade.


Depois de ouvirem com atenção os relatos da amiga, sobre o Chico, Odete e Cássio trocaram olhares por um momento e em seguida Odete virou para ela e disse:


— Ficamos interessados na adoção do Chico, podemos ir até lá conversar

com ele?

— Claro, respondeu a freira. Tenho certeza de que vocês irão adorar

conversar com o ele.


Cássio e Odete foram até onde o Chico se encontrava e ele, numa postura de gente grande, cumprimentou-os, sorriu e continuou brincando.


Depois de um breve tempo de conversas com a criança sobre suas brincadeiras, Irmã Celeste agachou-se e perguntou ao Chico:


— Você quer ir morar com esses meus amigos?


Chico levantou a cabeça e olhou para o casal. Primeiro para a Odete, depois para o Cássio, em seguida retornou para Odete e fixou o olhar nela por algum tempo. E finalmente respondeu:


— Quero. E deu um sorriso.


Irmã Celeste disse:


— Então vá pegar suas coisas que você já vai agora.


Olhou para o casal de amigos, que estava boquiaberto com a decisão dela, Irmã Celeste explicou:


— Conheço vocês de muito tempo. Por isso estou fazendo isso. Assim vocês

conhecerão o Chico e se certificarão de que é isso mesmo que querem.

— Muito obrigada, minha amiga. –– Odete abraçou a Irmã.

— Ninguém pode saber disso, viram? Amanhã providenciem rápido a papelada e me tragam assim que puderem.


Chico demonstrou simpatia e flexibilidade. Sem estardalhaço foi até seu alojamento e com a ajuda de outra irmã, juntou numa sacola de plástico as poucas roupas que possuía, os objetos pessoais e seguiu na companhia de seus novos pais, esbanjando alegria e perguntando tudo. A primeira pergunta que Chico fez aos dois, foi de tal forma, que deixou o casal surpreso com a objetividade do garoto:


— Posso chamar vocês de papai e mamãe?


Superada de imediato a surpresa, Cássio e Odete responderam juntos:


— Claro, Chico. A partir de agora você é nosso filho. –– Completou Odete.


Chico ficou felicíssimo com a resposta, e ao chegar em casa, seus pais mostraram-lhe sua nova morada e por último foram até a um dos quartos onde havia uma cama de solteiro e uma pequena mesa com cadeira.


— Este é seu quarto, Chico. — Disse Odete. — Aqui será seu espaço para

dormir, brincar e estudar.

— Legal, mamãe. Obrigado.

— Vamos providenciar um armário para você poder guardar suas roupas e brinquedos. Agora iremos almoçar e depois sairemos para comprar roupas e outras coisas que você precisa.


A partir daquele dia a rotina do casal mudou completamente. Agora havia uma pessoa pela qual eles eram inteiramente responsáveis. Mas isso não foi difícil de se ajustar. Como Odete e Cássio trabalhavam o dia inteiro, colocaram o filho numa escola de período integral.


A vida do Chico mudou consideravelmente. Agora ele tinha uma família só dele. Apesar de ser filho único, não se sentia só, pois havia os amigos invisíveis, para os outros, com os quais conversava muito, mas só quando estava sozinho.


Nos finais de semana os pais levavam o filho para fazer a evangelização no centro espírita onde eles frequentavam. A integração dele naquela instituição o ajudou muito com sua mediunidade.


A criação que Odete e Cássio deram ao Chico foi primorosa, com liberdade, respeito e acima de tudo, muito amor. Chico brincava na rua de sua casa em companhia dos seus amigos vizinhos. Jogava bola, colhia manga nas mangueiras e tomava bastante banho num rio que passava nas proximidades de sua casa.


O tempo seguiu sua rota sem parar e Chico já estava na universidade federal quase concluindo o curso de engenharia da computação. Sempre foi um estudante dedicado, destacava-se pelo seu aproveitamento e sua criatividade. Isso lhe proporcionou logo um lugar como estagiário numa empresa que criava aplicativos

para celulares.


Todas as vezes que Chico saia no seu carro, sua mãe sempre repetia:


— Cuidado, meu filho. Não use o celular quando estiver dirigindo. Preste muita atenção no trânsito. Seja prudente. E Chico respondia:


— Fique tranquila, mãe.


Ele é aficionado por equipamento eletrônico moderno. Está sempre atualizado pelas invenções recentes. Ultimamente resolveu adquirir um fone de ouvido de última geração. Possui memória interna para armazenar mais de mil músicas e a qualidade do som é excelente. Foi a uma loja e comprou um.


Ao sair da loja, a ansiedade de Chico era tão grande, que lá mesmo no estacionamento ele conectou o fone de ouvido ao notebook e transferiu para seu novo “brinquedo” as músicas que mais gostava.


Chico colocou os fones no ouvido, ligou o carro e saiu em disparada, feliz da vida, ouvindo suas músicas preferidas. Sua alegria era tanta que nem se importou com o volume alto do som, e poderia prejudicar sua audição se continuasse a ouvir daquele jeito. O som estava tão alto que o impedia de ouvir qualquer som externo.


Na avenida principal logo após a saída da loja, havia uma rua transversal pela qual transitava uma ambulância em alta velocidade, com as sirenes ligadas e vinda pelo lado esquerdo dele. Como Chico estava com o fone no ouvido e a música em som alto, não escutou o barulho da sirene. Como o sinal estava aberto para Chico, passou pelo cruzamento sem parar.


Ao mesmo tempo, a ambulância passou pelo cruzamento e o carro de Chico recebeu o impacto deste veículo, na lateral esquerda e na direção da porta do motorista. Com o choque, o carro de Chico foi jogado ao encontro de um poste na outra lateral da rua e esmagou o rapaz que faleceu no mesmo instante. A ambulância ficou abalada, mas logo chegou outra para levar o doente.


A tragédia ocorrida com Francisco deixou seus amigos desolados. Seus pais ficaram internados um dia no pronto atendimento do hospital, abalados pela dor insuportável. Recuperados do sofrimento. Mais calmos, conformados com o destino, acompanharam o funeral do filho.


Em casa, Odete abraçou Cássio e lhe disse:


— Nossa sina, meu marido, é ficarmos sozinhos. Portanto, sigamos nosso

caminho.

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