Voltei para casa, do trabalho, e, com o carro quebrado, vim de metrô. Iria sapear conversas — mesmo sem convite, o local de vez em quando surpreendia. Um telefonema dali, um diálogo daqui, e vou me absorvendo no cenário, carregando meus próprios medos. Ouvindo os dos outros.
Do meu lado, duas mulheres já conversavam, quando consegui sentar, no vagão. Uma parecia um pouco mais velha que a outra. Talvez se conhecessem. A mais nova estava tensa, enquanto a outra tentava relaxá-la. Conversavam em tom baixo, mas minha proximidade permitia escutar — diferente de outros, não usava fone de ouvido, nem estava com um livro aberto em disfarce. Optei por fechar os olhos, fingindo não prestar atenção à conversa. A mais nova continuou uma conversa anterior.
— Não sei, tenho medo, acho…tenho certeza … não vou conseguir … — percebi a mais nova tentando encontrar palavras — não entendo por que isso acontece comigo!
— Você precisa tentar, ou não poderá ir em frente … — baixou mais o tom da voz, e não consegui ouvir o restante.
— Mas é tudo tão ... estranho, irreal ... e, ao mesmo tempo, nítido!
— Começa assim. Ainda está em tempo. Vai por mim, acontecia comigo … — de novo, a voz sussurrada não me deixou escutar.
Meus ouvidos atentos tentavam pescar até os suspiros da moça mais nova, entrecortados pelas palavras que saíam em soluços, envolvidas num mistério que me intrigava e, ao mesmo tempo, me identificava, de imediato. Se acreditasse, pensaria ser um sinal de algo a me falar, algo que eu precisasse ouvir. A moça mais velha — uma parente ou amiga, não consegui saber — baixava intencionalmente o tom do diálogo, de vez em quando, e me incomodava. Eu fingia cochilar, pendendo a cabeça mais para o lado delas, e não adiantava. Ou, talvez, chamava à conversa uma confidencialidade quase impossível de se manter, num vagão cada vez mais cheio.
O diálogo continou. Pareciam terapeuta e paciente, ou padre e pecador, ou médium e obsessor, absortos numa cura necessária. A conversa continuava, e brechas dela eu conseguia escutar. A mais nova passava, pela voz, a inexperiência de uma vida que pouco conhece de vários assuntos, inclusive os que sua geração não iria saber, nunca.
— O que eu tenho de fazer? Rezar? Buscar algum tipo de ajuda? Qual tipo?
— Eu vou te ajudar. Vou …
O som do aviso de próxima parada me abriu os olhos, abafou o resto da conversa. Rezei para as moças permanecerem um pouco mais. A mais nova parecia agitada, e a madura tomou-lhe as mãos, como uma mãe a segurar a ansiedade da filha em algum segredo surpreendente — que o movimento no metrô me distraiu. Não escutei a última parte do diálogo. Mas conseguia, de alguma forma, intuir. Tinha visto nos meus sonhos o mesmo medo, a mesma ansiedade. As mesmas perguntas não respondidas.
Só havia uma outra parada, para mim, e minha curiosidade teria de ser elucidada nos próximos minutos. Num próximo diálogo, esperado ansiosamente.
— Nem sei como te agradecer, isso tem me tirado o sono, fico absorta nos pensamentos, nervosa e com medo de dormir e acontecer de novo!
— Ele vai te esclarecer, fique tranquila. Vou ligar logo que chegarmos, eu … — de novo, a conversa foi mascarada com o burburinho do ambiente.
As pessoas estavam se movimentando, a próxima parada, já anunciada — e eu também teria que levantar. Olhei para as duas mulheres, quase perguntando para elas qual o problema e como resolveriam, afinal, eu também me interessava em resolver o meu. A vontade esbarrou com a desaceleração, anunciando o meu ponto de descida. E eu não poderia perguntar nada, afinal, estaria me metendo em uma conversa onde não me caberia intromissão. Poderia haver uma reação negativa, sabe-se lá como as pessoas reagem diante de alguém que ouviu segredos num transporte público, e ainda, se mete …
Coube-me descer, pensando no breve diálogo e tentando perguntar — a quem lá de cima pudesse me ouvir — o quanto daquela conversa teria sido para mim. Deveria pedir ajuda? Para quem? Ou, não — deveria deixar de lado esses pesadelos da noite e do dia, e fazer como tantos que sonham e não se incomodam com interpretações?
Quem sabe Freud teria lançado suas teses apenas para “causar”, e Kardec tenha tido alucinações quando compilou o movimento que ajudou a propagar?
Sonhos. Alucinações. Não bastasse a realidade tão insuportável, em alguns momentos, justo no momento de descansar — até numa rápida viagem de voltar para casa — os pensamentos não dão trégua. Os meus, e os dos outros.
Outro dia, outra noite.
Goretti Giaquinto
Desafios # 141 a # 143 de 365 (PARTE 03/03)
Tema: Sobre Sonhos e Medos
Esta parte irá se juntar a outras 2 do desafio literário e permitirão uma exploração rica e multifacetada dos temas de sonhos e medos, incentivando a criatividade e a profundidade emocional na escrita e também ao leitor e leitora. Chegamos a última parte do nosso desafio "Sobre Sonhos e Medos".
Vamos resolver de uma vez esta questão do sonho dos nossos personagens?
Na última parte do desafio, finalize a história inserindo um grupo de personagens que compartilha o mesmo sonho do seu personagem, que revelam medos e segredos profundos de cada um deles.
1. Múltiplas Perspectivas: A narrativa deve ser contada do ponto de vista de pelo menos dois personagens diferentes, cada um com seu próprio medo revelado no sonho coletivo.
2. Interconexão dos Medos: Os medos dos personagens devem estar interconectados de alguma maneira, criando uma teia complexa de relações e revelações.
3. Sem Final: O conto deve terminar SEM FINAL, deixando a entender uma descoberta surreal que vagueia em sonhos e com os personagens se unindo para enfrentar e resolver o problema que tem raízes nos medos revelados em sonhos.
4. Desafio em 3 partes com caracteres livres em todas.