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Época de Pipa, o Céu Está Cheio!

Foto do escritor: Bob WilsonBob Wilson

Cá estamos outra vez meus leitores e leitoras.


Julho Chegou.


Por anos, este foi o mês que mais aguardava na minha vida. Férias! Desejadas férias de meio de ano. Época de pipa, acordar tarde, ficar sozinho em casa enquanto meus pais saiam para trabalhar, quermesse, correr atrás de saias, jogar futebol contra os times da vizinhança… se você é de classe média pra baixo, você certamente experimentou as mesmas vivências que eu na infância e juventude.


Hoje em dia, não tendo o privilégio do CLT e me dedicando a escrita e meus trabalhos no campo da arte e cultura, já não sei o que é férias faz tempo. Às vezes, também gosto de pensar que vivo em uma eterna férias, já que faço a minha agenda. Mas isso, é ilusão. Trabalho muito, ganho pouco, e ainda assim, sou feliz com o que tenho sem desejar nada além do que posso me dar. Esse é o segredo para manter minha saúde mental.


Hoje, inspirado pelo primeiro dia de férias da criançada e dos jovens que já estão aqui pelo bairro chutando bolas nos portões, soltando pipas e de ponta cabeça nos sofás de suas salas morrendo de tédio, decidi falar sobre esse mês de julho. Outra coisa que me provocou a falar sobre foi um papo que oreiei durante minha tradicional ida matinal a academia. Passando pela praça que fica de fronte a academia, enquanto aguardava o farol abrir, captei um diálogo que me fez pensar sobre "que merda é essa que essas duas estão falando e fazendo?"


Duas mães, finas como porcelana cara, trocavam confidências sobre o futuro dos seus rebentos sentadas na praça enquanto seus filhos brincavam com os cachorros. "Ah, querida, vou mandar o fulano (filho dela) para aquele curso de verão. Assim, tenho um mês mais tranquilo, sabe? Não que eu tenha muito o que fazer, mas um mês inteiro com ele em casa é muito F*d@. Assim ele se diverte e eu mantenho minha rotina de paz e cuidados", disse uma. A outra, replicou na lata: "Super apoio, amiga! A fulana (filha dela) vai para o intercâmbio de idiomas. Antônio fica o dia todo fora no trabalho e eu fico com a casa e empregadas só para mim. Quase um SPA”, e riram uma risada rouca e alucinada de quem fuma e não sabe rir. 


Enquanto elas planejavam a "folga" dos filhos, lembrei da fala da Tia Maria, uma mulher que na minha infância cuidava das crianças da rua enquanto seus pais iam trabalhar. Ela dizia que “Os pais de vocês, para dar o mínimo de dignidade, saúde, comida e estudo para vocês, precisam trabalhar cuidando da casa, agenda, alimentação, filhos e educação dos ricos. Já os ricos, pouco se importam com seus próprios filhos e uns com os outros. Deixam seus filhos aos cuidados dos seus pais para poderem se divertir e cuidarem de si próprios”.


Somente muito mais tarde consegui entender o que ela dizia. Faz pouco tempo que entendi esse conceito de pais e mães periféricos/classe média que deixam seus filhos em casa para ir cuidar dos filhos dos outros. 


Nestes últimos meses escutei uma música da banda “Black Pantera - Tradução” que diz “Minha mãe tem hora pra chegar, mas não tem hora pra sair”. E é sobre isso. A entrega destas pessoas para o filho dos outros enquanto seus filhos estão em casa sozinhos.




As férias de julho chegam e, para muitos, não há cursos de verão, intercâmbios ou spas. Há a dura realidade de deixar os filhos sozinhos em casa enquanto se trabalha de sol a sol.


A periferia vive de improvisos. O termo "Sevirologia" propaga-se entre todos e com o que podem e com o que acessam, fazem seus dias. Se não tem curso de verão, tem o vizinho que olha de vez em quando ou tem a avó cansada que tenta segurar as pontas. Tem a molecada brincando na rua, solta e livre, mas também vulnerável. É a mãe que reza para que nada de ruim aconteça, é o pai que trabalha dobrado para tentar garantir um futuro menos apertado.


As bolas improvisadas, as praças, as casas de cultura, os centros esportivos, até as pipas ocupam o lugar dos pais e falta de acesso! Enquanto a garotada rica talvez nem saiba (ou achem chato - um absurdo!) a alegria de reunir a galera para fazer uma rabiola ou de empinar um pipa, a juventude com menos acesso dominam o céu. É a diversão possível, barata e acessível. E nisso, meu amigo, não há diferença que pese. O céu é democrático, mas as oportunidades no chão são para poucos.


Sobre o frio de julho, apesar de algumas delícias e discussões como "o frio deixa a gente mais elegante", infelizmente, ao menos para mim, é impossível não pensar como o inverno escancara as disparidades. Nas casas abastadas, há lareiras e aquecedores. Nos menos privilegiados, há cobertores finos e muito calor humano para tentar aquecer a pequena casa. Temos também os moradores de rua. Mas quem se importa com eles?


Vale lembrar que julho é o mês onde o inverno ainda manda lembranças (já que cada vez menos temos inverno por aqui). Aproveitemos o frio enquanto ele ainda existe, pessoal.


Mas, deixemos o frio para lá e vamos pensar nas festas juninas que de alguns anos para cá avançam no mês e agora, não é só em junho que bebemos e dançamos nas quermesse. E isso eu acho o máximo, porque odeio perder a chance de beber quentão o ano todo. Bebida delicinha, que aquece e dificilmente me embebeda. Já tentei fazer em outras épocas do ano, mas não é a mesma coisa. Só consigo tomar em junho e julho. Já repararam nisso?


Julho é um mês abençoado, não acham?. Tirando dezembro, que é o clímax total com as festas, férias, 13º salário -pra quem tem.


Enfim, enquanto as madames planejavam suas férias perfeitas, eu seguia meu caminho, com um sorriso ácido no rosto. Afinal, a crônica da vida real é escrita com contrastes fortes e, muitas vezes, com tinta de lágrimas que escorrem enquanto amargamos histórias. E quem melhor para contar essas histórias do que um observador (fofoqueiro) cínico, sarcástico e com o coração sempre sofrendo aos seus semelhantes?

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