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Tudo Começou

Começou ontem, dia 31, a ansiedade da família brasileira. Uma grande família torta, desigual, amigos que se tornaram tios adotados, vizinhos que foram embora e não voltam mais, aqueles que já se foram também estavam lá. Todas as guerras reunidas em nome de Duas Mulheres representando meu mundo antigo, e outras guerras no mundo dos vivos.


Aquela coisa de sempre, mamãe na cozinha suada e ainda de pijama. A visita da outra família chega com seu possante e apenas com a última Cria. A outra, entra no banho, todos os três, todos juntos e unidos. O banheiro vira aquele mar de lama e como vivemos e sobrevivemos em tempos pandêmicos, me movo sem pensar como nos anos anteriores: Lavar o banheiro assim que o outro sai.


Agora que o portão se enche, vem meus novos tio&tia adotados. Sim, adotei eles. Elas eram irmãs, Ma&Ma; a mãe era Lu, não tinha como não acolher, independente das suas fardas aposentadas.


Nossos cabelos brancos não deixam a idade enganar. Exceto das mães com seus cabelos coloridos; sujando a sua alma do jeito que elas querem: com cores vibrantes ou fingindo o 'natural'. Os pais não tem medo disso: das cores. Na sua ausência, mostra quem são, pais, tios, tias, avô e avó.


O 2° Tempo Começa.


Não tem como não ter lucro, lá no quintal os pés: limão... coqueiro, e eu fui logo cedo colher as folhas de louro. Sem contar as inúmeras acerolas; suas cores, suas evoluções, sua fauna & flora viva e sempre presente.


Assim como foi no natal, a janta foi farta. Enquanto as crianças foram alimentadas pela vó, a "única tia" brincou com elas, as batatas/primas com bolhas de sabão. Lavando o quintal, já lavado pela manhã mas agora era com outro sabão lavando o piso sagrado; Nova Geração, eles dizem mas na antiga cozinha era eu quem brincava naquela terra, lavando a areia preta misturada com terra.


A iluminação era nova, uma nova perspectiva sob o mesmo holofote oriental, brilhava no quintal. Pessoas vividas com histórias para contar, jamais caberia num livro.


Essa terra foi castigada há precisos cinco décadas. O senso comum é natural por aqui.

Dona Maria, só se acalmou quando eu disse: Já te contaram que fui pra China? Ela, com sua bengala numa mão e o limão fresco na outra, mirou para o leste, disse em alto e bom tom de quem só já teve uma Obaasan conhece: Então você já conheceu o lado de lá. Seu final, não foi aqui, ela não queria ir embora mas sabia que era preciso. Descansou uns anos atrás em Minas, minha cidade leiteira. Porém sua voz ainda ecoa na minha cabeça dentro daquela cozinha: "Não pode ser igual Deise"; "Tem que arranjar emprego"; "Seus pais não vão durar para sempre"; "Tem que aprender viver sozinha". Se o Watanabe é um homem, adulto, deficiente, pai, vô orgulhoso de homens & mulheres e dos pet, eu também vou ser. Tempos difíceis virão mas nossa comunhão continua viva.


Pulo direto para sobremesa, musse de maracujá, maracujá do pé também - te disse vó, a mesa sempre será farta para quem vier. E reclamo: Eeeeee... já queimaram a largada?! Quem comeu? Algum ancião responde: Foi para a bandeja dos antepassados.


A outra prima que chegou agitada, já foi embora. A brincadeira acabou, assim com a ceia posta na mesa.


Round 3: O meu Botafogo caiçara.


A caminhada até a praia, para os locais só mais um dia qualquer, a cidade lotada com pessoas saindo até pelo bueiro. Nova/Velha ansiedade: Que horas são? Quando começa? Você não sabe?


O mundo dos vivos, sabem: Começa quando é um novo dia, termina quando o espetáculo acaba.


Me senti no meu ambiente seguro por ali. Sentada na canga da irmã mais velha, azul igual a cor da nossa bandeira e refletindo aquela estampa dos olhos gregos, a única cadeira de praia (pro pai) com suas listras brancas, verdes e vermelho. A térmica era antiga, vermelha e preta e o suficiente para o champanhe da virada.

Eu, com meu manto negro, minha blusa doada em listras brancas e magenta viva e por baixo, mais preto.


Filho de Peixe, peixinho é, não é? Sim, eu e ele estávamos de boné. Ele de cinza e eu, verde. Nossa tríplice coroa estava armada. Até que ele fala: Aqui tem muita fumaça... Daqui não vamos ver... Tem muitas árvores. Como boas meninas, cegas no pensamento, atendemos sua ordem.


A galera começa a contagem. A gente sabe quando começa ou quando acaba, são as luzes artificiais no céu que indicam, a pólvora do seu jeito milenar.


A bela Ilha fez o que tinha que fazer, a outra cidade que cultua a preservação da natureza do outro lado, coloriu seus céus. Mas no meu balneário foi melhor.


As vozes eram: "Será que tem Mundial? Será que é igual do Mundial? Esse só tem em Mundial." E ficaram cada vez mais fortes. Abraço meu pai e digo: É Nóis, nóis é alvinegro, é regatas, é peixe, é baleia, é tubarão, é fogão, é meu e é teu. Nesse momento tive que dar de costas para os fogos para enxergar a costa da cidade.


Há 50 anos, foi a nossa maré que nos devastou e foram nossos vizinhos da comunidade que chegaram para procurar nosso povo. Primeiro os militares brasileiros fazendo o que sabem de melhor: Tirar nosso povo da lama; Não havia sinal de fogo mas algum rádio gritou alto o pedido de ajuda. Nossas raízes ficaram mais funda. Nossos Santos ainda brilham lá em cima nas montanhas.


Agora, a conversa é com o mar. A mesma onda que bate aqui, bate lá também. Lá no Rio... Foi a Lud que cantou mais alto minutos antes, me dando permissão para rebolar e chorar.


Lembrei dos chineses de novo. Como ninguém sabe? Eles construíram um grande muro. Agora eles, nossos políticos, vão imitá-los, vão fazer isso mesmo? Fizeram, as pedras das montanhas para abrir uma nova via para os turistas, foram retiradas e repousadas ali quase divisão dos municípios, na beira do Rio Juqueriquerê. Uma nova muralha mar a dentro.


É para os pescadores, eles dizem. E pescador usa luz elétrica? Não, usamos pólvora para colorir o céu, cheio de vento úmido e salgado.


Sim, foi longa a queima de fogos, 400 toneladas, disseram que era silencioso mas se ouvia os estrondos.


Minha resiliência estava brava, enxugando meus olhos cheios de areia e lágrimas.


Foco em Lino. Sempre sabia o que me dizer, principalmente depois da viagem fatídica: "Oooo meu Botafogo". As pessoas olhavam minha barriga a mais e a cabeça baixa depois de um longo dia de trabalho. Eu respirava fundo com o pensamento lá no meu avô. "Também sou velha guerra e aqui também é meu lugar". Não tinha jeito, ele sempre me tirava um sorriso da cara. Meu bombeiro favorito, agora me olha lá de cima.


Os artifícios não paravam. Show de imagens em movimento, sentia mais calor na minha pele. Minha irmã leu meus pensamentos: E foi a China que inventou.


Sorrio de novo, sem ninguém ver as lágrimas. Meu pai, ri, sorri e pula feito criança. Não tem como não ser feliz. Brindamos novamente, com o copo cheio de novo. Eu, esquerdista como sou, grito mais alto o sabor da vitória. Estamos vivos e mostrando para essa gente o que é ser feliz.


Mas não tinha jeito, olho para os ondas e penso na Espanha. Também saí de lá, também sob uma antiga guerra, não da pandemia.


Penso naqueles latinos que não conseguiram domar essa terra. Me lembro dos reis e rainhas, da minha Rainha do nordeste: CARRANCA NA CARA, COTURNO NO PÉ. Olho para eles e tão frágeis: tênis azul (de Todas as Estrelas) com alguma meia colorida.


Aqui também pode ser livre, foi pra lá que começou essa história de navegação marítima. Minhas raízes são mais antigas do que as novas construções.


O vento continua forte, as ondas quebravam e sua cor branca combinava com os novos turistas.


Alguém cantou parabéns. Os novos computadores portáteis estragaram a luz da emoção. E a lua escondida. A leve garoa parecia passageira. Não tinha como não ficar hipnotizado vendo o céu e a fumaça em direção da praça.


Pensei nos animais, se os últimos anos não teve essas explosões, eles estavam acostumados com a sua terra natal. Hoje, não sabiam como lidar com 1.5 milhões a mais de pessoas em por algumas semanas, não tem como não reparar no lixo que sujam as nossas praias.


Os pássaros brancos anunciaram a sua chegada: Agora é hora de retornar. Olho para lado, alguém de pele preta, se abaixa e volta com sorriso no olhar: Tem que levar o lixo, né? Não foi só as latas que pegamos, as garrafas de vidro também. As bitucas escondidas na lata, só alguém lá do futuro vai ver.


O caminho da volta foi gratificante. O primeiro cigarro do ano enquanto papai pulava suas ondas. Com a alma lavada, me deparo com um trio tentando tirar sua selfie discretamente e eu, como uma boa samaritana, tive que ajudar com a minha perspectiva, suas roupas me diziam: São do Vale Colorido. Aponto para meu nariz, somos diferentes e iguais ao mesmo tempo.


"Desculpa, mas tenho que ir com a minha família." Corro atrás contra o tempo, como uma formiga na multidão, me aproximo deles e aviso que vou dar boas vindas para minha outra família (colegas de trabalho; artistas para os íntimos).


Saio da pista da praia, viro algumas esquinas e o velho julgamento continuava: Deve ser aviãozinho esse aí. Continuo com a cara fechada até chegar no final daquela rua. Abro o portão e uma nova aventura, um mar de gente desconhecida.


Lindos, pretos e pretas de todas as cores, sorrindo como quem não quer nada: "Feliz Ano Novo para você também". Onde foram meus bons modos? Tudo suaviza com um riso: É verdade, desculpa, feliz ano novo. Sentados com suas bengalas, passo um por um até encontrar meus velhos novos amigos. "Onde você estava? Você viu os fogos?" Aceno com a cabeça e nada mais importava.


A brasa do churrasco finalizado aquecia os jovens casais. A mesa recheada com doces e escondidinhos desconstruídos. O vento era gelado e forte agora, o som do nosso MPB, me aquecia. Assim como uma calça emprestada do Sr. La Banca, carioca da gema como eles dizem. O velho sábio, me revelou mais uma nostalgia vivida na pele: "Sabe, teve uma virada em Copa.. A gente que vive lá, já não liga tanto pra isso, mas teve uma ex que nunca tinha passado o ano novo lá, e quando ela olhou para aquelas luzes no céu, não conseguiu segurar as lágrimas nos olhos de emoção. Lá no Rio, a gente já estava cansado disso mas as vezes para os outros é. Mexe com as pessoas."


Depois dessa, como explicar para ele que há poucos minutos, essa era eu? Brigando com o mar, brigando com o vento, brigando com a chuva, brigando com aquela nova muralha, brigando com a humanidade que não quer que eu exista.


E agora, José?


A festa acabou e o povo não se foi. Conheci os vizinhos. O melhor tipo de enfermeiro que existe, homens que amam homens. Claro que me identifiquei e fui identificada. O funk carioca não parou, a comida não acabava, a birita tradicional, a ala dos fumantes.


Bate papo com gente gostosa que preza pela vida e não abaixa a cabeça por menos. A chuva aperta e me lembro da minha terra da garoa. Espremidos na parece e resistindo para aquela noite não acabar.


Mesmo sendo uma desconhecida, eles reconheceram meu silêncio. Era o momento do fim, deles também. "Posso dormir naquele sofá? Pode ser esse aqui com o cachorro, não tem problema não"."Naaao, tem um quarto para você dormir" ; "Temos um quarto aqui também".


Viro para meus amigos e subo as escadas, olho para cama e é aqui mesmo. O Sr. La Banca me mostra todas as opções de cobertores, lençóis, travesseiros e almofadas mas só queria mesmo fechar a janela, não quero que o ano comece hoje. Com a minha sacola no pé da cama, pego um travesseiro e um lençol e é isso.


Deixo os anjos dançando lá fora no meu novo refugio. Nada me atingiu. Acordo com aquela ressaca e o ciclo se fecha. Desço as escadas para comer o café da manhã com gosto de ceia. Tiro minha blusa, fico só o top e o manto preto, o boné que me protege do sol raiando.

Sigo o caminho do regresso, a volta ao lar. A revolta ficou para trás, só a minha revolta. Pela manhã, os jornais já anunciavam o mar engolindo a ilha lá do outro lado do mundo. Olho para o chão e já sinto o peso de 2024 nas minhas costas.



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