Dizem que o acaso é sorte e sorte é sempre bem-vinda. Mas para meus vizinhos Antonio e Clarisse, a sorte havia passado longe e por ironia do destino este Natal não seria como o planejado, marcado por festa, risos e celebrações, não haveria o sorriso de Joca, o caçula de 16 anos.
Num anúncio profético, o pai sempre o alertara para não sair sem documentos e nunca responder de forma truculenta a nenhuma autoridade responsável por nossa segurança, afinal era mais um menino negro, num país racista disfarçado em democracia racial.
No último 20 de dezembro, Joca foi até o City Futebol Clube para conferir o resultado da peneira para 2024. Estava ajudando a mãe na faxina e nem trocou a roupa surrada de limpar a casa para as festas natalinas e, também, não pegou o documento, porque iria somente no CFC a 500m de casa, tão perto, tão seguro.
Ao ver o resultado da peneira saiu correndo feliz pela rua e ao colocar a mão no bolso para pegar o celular e dividir com o pai a alegria, o tempo virou tempestade, houve barulhos de sirene, gritos, ventania de tiros e Joca no chão, 5 tiros nas costas.
Alegaram que aquele menino, ao ver a polícia sacou uma arma do bolso. Mas era um celular, apenas. E as boas novas tornaram amargor.
Estou aqui na sala de sua casa, abraçada a Clarisse, em minha bolsa a garrafa com a folha de papiro mágico, bastava escrever um pedido para ele se realizar. Penso em todos os Jocas...
Então escrevo: “Que a cor da pele nunca seja um pré-requisito para condenação dos corpos pretos.”
Texto que retrata nossa realidade, muitas vezes do nosso lado e que só assistimos em breves comentários na tv...
Que texto forte e que final, Flávia!