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O Elefante na Sala de Aula


A educação separada da política serve àqueles que querem mudar tudo para que nada mude.

Por Diogo Dias,



Foto: Arquivo MI - Darcy Ribeiro e o sertanista João Carvalho conversando com indígenas Urubu Ka'apor
Foto: Arquivo MI - Darcy Ribeiro e o sertanista João Carvalho conversando com indígenas Urubu Ka'apor

Vou começar esse texto com uma confissão. Eu não aguento mais aquela frase do Darcy Ribeiro que diz que a falência da educação no Brasil não é incompetência, é projeto. Claro, que a culpa não é do Darcy, mas da realidade que insiste em fazer com que essa citação seja uma verdade incontornável. O que eu gostaria de mostrar é como esse projeto maldito está entrando em uma nova fase: a da exclusão explícita das massas do mundo da cultura e do conhecimento historicamente produzidos.


            Para entender o cenário precisamos deixar algo bem claro. A educação é política. Desde o papel social da transmissão de valores e conhecimentos até o fato de a escola ser a grande possibilidade de encontro de vidas em sua infinita diversidade durante a infância e a juventude. A escola é social e historicamente referenciada, mesmo que se defenda por aí uma suposta neutralidade.


             É importante afirmar isso, pois os discursos correntes sobre educação, mesmo em vertentes progressistas, ocultam ou deliberadamente excluem os fatores concretos que a constituem. O mais importante deles é que qualquer relação ou processo educacional parte da interação social entre pessoas. O que significa uma complexidade que, para além da racionalidade ou da cognição, envolve afetos, memória, sensibilidade, emoções. Não à toa, Paulo Freire dizia que a educação era um ato de amor, em um sentido profundo de amor à humanidade, de um desejo de sua realização no melhor que se pode alcançar.


            Entre os polos da racionalidade e do amor, passeiam os oportunistas que querem reduzir essa complexidade ao simplismo. Para eles, educar ou é chegar a resultados objetivos ou uma prática meramente sentimental de devoção. Nem uma máquina produtiva, nem um sacerdote ingênuo. Aqueles que se envolvem com o educar são outra coisa. Porém, o próprio Freire fez questão de advertir seus detratores sobre a complexidade dessa relação. Pois a educação é amor pois requer das pessoas o seu total envolvimento no momento de ensino-aprendizagem; e é resultado quando o conhecimento emerge cognitivamente da relação entre quem ensina-aprendendo e quem aprende-ensinando.


O império contra-ataca

Nas últimas semanas, as disputas sobre a concepção de educação no Brasil tiveram episódios que merecem nossa atenção. Enquanto os governos do estado e do município de São Paulo, responsáveis pelas maiores redes educacionais do país, buscam descredibilizar o trabalho diário dos profissionais de educação e puxam a vanguarda do laboratório privatista dos serviços básicos com medidas de enfraquecimento da gestão democrática da escola pública, no âmbito federal, as últimas regulamentações da Política Nacional do Ensino Médio e as mais de 1000 emendas produzidas por todos os espectros políticos do congresso nacional ao novo Plano Nacional de Educação revelam que não há inércia quando se fala de educação. Pelo contrário, o caldeirão está fervendo.


            As forças ultraliberais e da extrema-direita, as quais confesso ter dificuldade em distinguir uma da outra, têm se valido do discurso de objetividade seletiva para desqualificar a educação brasileira. As reformas, os projetos de desvinculação constitucional do investimento na área, os ataques performáticos aos professores e profissionais da educação, acusando-os de vagabundos, incompetentes e doutrinadores, utilizam os maus resultados em avaliações objetivas elaboradas para supostamente medir a proficiência de nossos/as estudantes como justificativa de “que algo precisa mudar”.


            Sim, muito precisa mudar, mas para qual direção?


            A objetividade que realmente interessa não é considerada nas provas elaboradas com base nas diretrizes do PISA – Programa Internacional para Avaliação de Estudantes, coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como o SAEB. Nessas avaliações pesam muito mais os números finais atingidos do que o valor humanístico da educação. Por isso, um ranking entre países que vivem situações socioeconômicas profundamente diversas é tomado como subsídio para tomadas de decisão em relação às políticas públicas educacionais.


            Ora, como bem se pode depreender, a educação pensada pela OCDE tem como foco principal a adequação otimizada dos estudantes aos parâmetros estabelecidos pelo mercado de trabalho, já que o “desenvolvimento econômico” que a organização carrega no nome se refere à economia global e não aos territórios nos quais a maioria dos trabalhadores (sobre)vive em meio à exploração de sua força de trabalho. Como afirmam pesquisadores das políticas educacionais como Daniel Cara, Marcia Jacomini, Fernando Cássio, entre outros, as diretrizes neoliberais da educação buscam mudar a educação para que nada mude.


            Enquanto isso, uma grave crise do trabalho já toma conta dos corpos precarizados pelo capitalismo de plataforma, que submete as pessoas a jornadas e remunerações desumanas, que beiram a escravização. Pois no caso de motoristas e motoqueiros de aplicativos os simples atos de ir ao banheiro ou almoçar muitas vezes são negados pela própria lógica do trabalho que exige o máximo do corpo sem nenhum suporte das empresas que lucram com ela.


            A quem interessa que as massas se adequem às lógicas de produtividade do capitalismo plataformizado, de dados, que está explorando cada movimento capturado pelos seus aparelhos dos bilhões de usuários conectados e permaneçam assim esgotadas, doentes e alienadas das possibilidades de emancipação possíveis?


            A crise na educação é a crise do trabalho que é a crise climática que é a crise no sistema capitalista como aquele que buscava equilibrar a equação da existência da profunda desigualdade social com uma brutal concentração de renda no topo da pirâmide.


            Portanto, precisamos compreender que esse projeto de que falava Darcy Ribeiro tem sido o vencedor das últimas batalhas. É ingenuidade negar isso. Mas desde a redemocratização, a educação brasileira conseguiu avanços substanciais quando contextualizadas em nossa realidade. A legislação federal, estabelece pela Constituição e pela LDB – Lei das Diretrizes e Bases da Educação as obrigações do estado com relação à educação e com a vida digna de seus habitantes; a política de expansão das universidades federais, de acesso pelas cotas, inclusive em programas de pós-graduação, entre outras medidas, são vitórias essenciais da luta pela educação pública, gratuita e de qualidade.


            Para variar, encerro com outra citação, essa um pouco menos citada, mas também bastante conhecida do antropólogo e educador Darcy Ribeiro:  “Tenho tão nítido o que o Brasil pode ser, e há de ser, que me dói demais o que o Brasil é”. O que ele pode ser só pode ser se passar por outra ideia de educação. Aquela em que as pessoas sejam tomadas em sua humanidade e não nas abstrações de suas quantidades.


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