Relâmpago. Ondas revoltas, assustadoras. Água escorrendo das nuvens tão escuras quanto o céu.
Nunca passou pelo cabeça dela se envolver na situação em que se encontrava, agora. Nem de viajar de navio num Cruzeiro. O pânico evolvia-lhe o pensamento em se ver rodeada pelo mar, sem a visão de qualquer pedaço de terra próximo.
Não alimentava nenhum sonho das delícias propagadas pelas empresas, nas muitas ofertas de cruzeiros em lugares paradisíacos. Para ser sincera, passar mais de um dia num barco, mesmo tão imenso como um hotel, revirava seu estômago. Tinha certeza de que, ainda no balanço quase inexistente do navio, enjoaria. Da água. Da piscina. Da multidão no mesmo lugar, bebendo, comendo. Gritando como se estivesse em casa. Vivendo como se a vida fosse acabar naqueles dias fantasiosamente luxuosos.
Excluía tudo isso da sua ideia de férias em paz. Não se via na muvuca das crianças jogando bola nas piscinas. Mesmo acostumada às que jogavam areia quando ia à praia, na tentativa de espairecer. Mas não teve como dizer não ao namorado recém conquistado nos aplicativos de encontro. De cara, o convite para uma semana no mar, no Cruzeiro que iria pela costa de Santos ao sul do país.
Para impressionar, teria que usar roupas adequadas para todos os ambientes que as férias suntuosas exigiam. E impressionar o novo amor. Ele a achava descolada e aventureira. Não queria decepcioná-lo logo na fase de conquista prévia. Aquela fase em que se guardam segredos do dia a dia. Os nem tão interessantes de serem revelados numa viagem chique. Ela topou. E foram.
— Estou animadíssima com nossa aventura, môr.
— Eu também, minha flor.
Relacionamentos têm apelidos nas duas partes envolvidas. Não rola ficar sem, nas regras da conquista. Sinais de intimidade, dizem.
Mas os raios cortando o céu, as ondas realmente ameaçadoras a deixavam apavoradas. Em terra ou na água. Raios e trovões evocavam um medo infantil. Quando ela se metia sob os lençóis, rezando para seus anjos da guarda. Esperando que logo passasse. E que nada acontecesse. Imaginação fértil de criança que cria monstros em todo lugar.
No mar aberto, junto com o namorado ainda desconhecido, embalada pelo cenário de grandes ondas batendo no casco alto do navio, se via impotente. Parecia que estavam num catamarã, não naquele gigante de muitos metros de altura, agora à mercê do destino que aparecesse. Não estava nos seus planos de conquista usar colete salva-vidas nem se atracar para um lugar nos botes salvadores.
— Calma, está tudo sob controle — uma voz, no restaurante elegante, tentava trazer a calmaria que se escondia do lado de fora do mundo, naquele momento, para abrandar vestidos longos e smokings desfilando os personagens recém-assumidos como chiques.
— Flor, está tudo bem com você? Parece um pouco pálida.
— Tá sim, só um medinho da surpresa desse cenário.
— A comida está ótima, vamos tomar mais vinho. All included. Podemos beber e comer à vontade.
O namorado se vangloriava pelo pacote pago por ele. Oferta para evitar qualquer não, no convencimento. Pacote caro, gastos para compras das roupas a desfilar. Medo de errar, de decepcionar. Goles de vinho, para cada relâmpago. Goles para os trovões. Mais goles, para o pavor trazido pelas ondas gigantescas.
— Seria o prenúncio de um tsunami? — pensava, enquanto virava a água vermelha para espantar os pesadelos da infância.
Várias taças de vinhos depois, e luzes externas insistentes invadindo o teto do navio, trazendo barulhos ensurdecedores em decibéis muito aquém das conversas, a luz interna do navio apagou. A vozeria aumentou, e só a claridade externa dava contornos aos personagens estáticos.
Em dúvida entre gritar ou correr, vultos tateavam as paredes tentando encontrar suas cabines. Aguardavam instruções que não vinham.
— Vamos naufragar como o Titanic!
— Cala essa boca, imbecil. Aqui não há iceberg.
— Cadê o Capitão que não nos diz nada?
A confusão aumentava ante a falta de noticias e o medo de estar à deriva naquele inferno cinematográfico.
— Ahhhhhhh! — Um grito assustou, mais, os candidatos a náufragos — o capitão está morto, acudam aqui!
Parecia o sinal do Rapa. Corram que a polícia vem aí. Com o navio balançando como xícara de café quente, o grito desestabilizou os passageiros e tripulantes, que correram na direção do grito.
— Calma, o capitão está vivo! — uma voz pacificadora gritou, o mais alto que conseguiu.
A escuridão era quebrada pelos raios rasgando o céu, e o silêncio, atormentado pela mistura de vozes terrificadas internas e manifestações externas. Como num set de filmagem. Só que real. A tempestade bombardeava a água antes tranquila do mar, se misturando com ondas exuberantes que chicoteavam o casco do navio Deus do Mar — nocauteado pela fúria de Netuno. Corpos se tateando para fugir do medo, enquanto mentes mudas gritavam, assustadas.
Foram cerca de trinta minutos de pânico disfarçado em orações e tentativas de voltar à calmaria. Até o céu abrandar o mar, e o navio voltar a andar sobre as águas, retornando ao trajeto, salvo pela equipe treinada. A equipe que carregou o capitão, desmaiado talvez pelo medo, ou por uma pancada na cabeça, ou infartado, para auxílio médico. Um personagem apagado, figurante no terror de minutos atrás.
Logo a música da orquestra voltou a chamar os passageiros corajosos a esquecer o frustrado naufrágio.
Quanto aos namorados, ambos tinham saído e encontrado sua cabine. Tinham decidido morrer sob os lençóis, juntando os seus medos que se encontraram no mar traiçoeiro. Até a próxima aventura-teste.
— Homem ao mar! — A sirene e o grito se misturaram à calma recém-conquistada. O o filme ainda estaria longe de acabar.
Goretti Giaquinto
Desafio #64 de 365
Texto ficcional
Tema: Tá chovendo e relampegando
Está o maior toró
Você está em um cruzeiro à deriva
Escreva um texto da hora que o capitão desmaia até a hora que a chuva para
Idem.... Teria crise de Pânico , não relaxaria rsrs
Jamais irei num cruzeiro. Morro de medo do mar a céu aberto!!