Falar de uma referência feminina numa família onde as mulheres são maioria, é desafiador. Primeiro, porque referência é um parâmetro. Pode ser para seguir, para melhorar, para comparar, para transcender. Mas, para melhorar, às vezes temos que referenciar o que não é o melhor padrão. Fazer o contrário.
Em casa, na escola, no trabalho, há muitas referências a citar. Daquelas que me impulsionaram e me deixaram um padrão mínimo a seguir. Das que deixaram marcas que nunca serão esquecidas, mesmo as que precisam ser perdoadas.
Enquanto penso em quem citar como referência feminina, na minha vida, meu olhar pousa numa foto da minha mãe. Eu descubro que tenho o mesmo sorriso que ela. Meus olhos têm o mesmo formato do dela, e diminuem — mais — quando sorrio. Como ela está, na foto.
A foto dela está no meu aparador, junto com outras fotos da família. Mas há uma sequência que insisto em manter — e que , quando a diarista vem e muda, eu vou lá e conserto. É como um ritual. Eu sigo, sem me perguntar quando comecei com esse toc. Não é que eu tenha algum transtorno. É mais para manter a energia da força que eu tinha quando, aperreada, ia visitá-la, e lhe pedia pra pôr cartas de tarô. É uma forma de ouvi-la me dizer: estou com você, filha.
Esse ritual me relembra conversas entre mãe e filha. Eu, sempre reservada — por conta dos hormônios de adolescente que fizeram perdurar brigas que nem deviam ter acontecido. Ela, ouvia os recados de seus guias, e me traduzia. E me confortava. Eu saía mais leve, mesmo sem abrir a boca.
Não lhe contava meus segredos. Não lhe contava meus perrengues. Não lhe pedia colo. Mas ela estava lá, quando eu precisava das palavras que me abraçariam.
Guardei cartas que ela me escreveu, quando saí de casa para ir bem mais longe do que pensei que meu destino me levaria. Ela punha as cartas de tarô, e escrevia uma carta. Ela fazia suas palavras de colo virem até a mim. E eu me sentia mais leve. Pensava que ela estaria lá, orando por mim. Eu me sentia forte. Eu me sentia amparada.
Ela não teve tempo de me visitar, morreu antes. Coisas do destino. Eu me senti culpada por não ter lhe falado as palavras guardadas por tantos anos. Pensava que ela entenderia o meu amor, nas visitas que lhe fazia, pedindo para ler as cartas de tarô — que, com sua morte, herdei.
Olhar a foto, colocar na posição de fé, me faz lembrar o quanto herdei dela, quando virei mãe — mesmo pensando que agiria de forma contrária, com meu filho. Não agi tão diferente, porque, para educar, não somos tão certos quanto pensamos. A teoria é diferente da prática. E eu entendi o que eu tanto critiquei, quando ouvi as mesmas reclamações do meu filho. Mesmo tentando agir diferente. Eu me enxerguei no lugar da minha mãe.
Ser mãe não é fácil. Nem naquela época — mãe de sete, irmã de oito — nem agora, que mãe sou.
O que eu não disse para as mulheres que são minhas referências, certamente está bem transparente em mim, nas palavras que marcam as páginas da minha vida.
Honro minha mãe, e todas as mulheres que me fizeram ser o que sou, como sou, como estou. Guerreiras. Como a grande maioria das mulheres são, sem o devido reconhecimento de quem está ao lado.
Gostaria de ter me expressado mais com minha mãe. Ter-lhe dito o quanto ela era minha referência, o quanto a amava. Mas sei que ela me escuta, onde estiver. Além da foto que me sorri, além das palavras que ainda teimam em não sair. Talvez ela saiba que eu entendo quando dizem mãe é mãe...
Goretti Giaquinto
Desafio #67 de 365
Tema: Dia da Mulher
Escreva sobre sua maior referência feminina.
Fale da importância dela em sua vida e inclua algo que nunca disse a ela
Texto livre
Não deixem palavras de amor sem serem ditas...
Arrepiei até. Texto lindo! Tenho uma ligação forte com minha mãe, mas já fui mais distante dela por tontisses de jovens 😅. Mas o tempo me foi bom, e eu tive tempo de mudar essa relação. Mãe é mãe!
Compartilho do seu sentimento❤️