Na fossa. Era assim que dizíamos quando o coração doía por um amor desfeito antes da hora. Tomar umas pra esquecer. Por as músicas do vinil pra rodar e terminar de ferir até chegar ao fim do poço.
É assim como estou. Ouvindo a música, enquanto cenas do filme se misturam com as da minha vida, com o romance recém terminado. Cada letra da música dá uma paulada no meu coração, e lágrimas inundam o meu rosto, em soluços. A nossa música. P***, que nhaca braba, penso, enquanto um toque no celular me levanta do sofá onde estou desmaiado há uns três dias, ouvindo a mesma canção. E dizem que homens não choram...
— E aí, cara, tá pronto pra arrebentar? Hoje tem festa, se arruma que passamos aí daqui a pouco.
— Mas eu... — não dá tempo de dizer não. Ouvi palavrões do outro lado, uma ladainha de autoajuda pra sair da tempestade bucólica.
Tive muitos relacionamentos. Sem pretensões maiores que curtir a vida. Levei numa boa os términos, quase todos por minha iniciativa. Evitei me comprometer de todas as formas. Nunca busquei respostas pra isso. Acho terapias desnecessárias ante o tempo tão curto para aproveitar as experiências.
Lá vamos eu e minha melancolia, desejosos de um encontro ou reencontro que nos chacoalhe desse marasmo em que nos enfiamos. Confiando nos companheiros, com nosso grupo de ajuda à base de levantar qualquer moral. Do jeito masculino. Rodando bares. Dançando.
A última parada foi num lugar desses que todo mundo vai para tomar a derradeira. Música ambiente, ainda fervilhando nas últimas horas da madrugada. Mistura de pessoas e de música, o que deixava o local propício para últimos encontros. Som arrastado, casais tentando se acertar através das pernas da música dançante. Não seria o local que eu gostaria de ir, se estivesse sóbrio.
Com toda a bebida que fui obrigado a tomar — nosso grupo de autoajuda funcionava assim — fui empurrado para o pequeno palco onde poucos se arriscavam no ritmo que nem todos conhecem. Me dispus a dançar sozinho, trocava de par no espírito do sacolejo, trocava de pernas me segurando pra não cair. Dançava sem pensar no amanhã, na ressaca, nem na cama vazia.
A cachaça já estava no tom de terapia onde a gente revisa a vida inteira, quando a música foi trocada, não sem a vaia costumeira de quem quer continuar no agarra-agarra. Foi o sinal que eu esperava para jogar a toalha e pedir para voltar pra casa. Os amigos me conheciam bem. Sabiam que o arrego era raro, e que eu tinha o dom da chatice quando insistia em algo.
Em casa, um banho me despertou. O despertar do sol, olhado tantas vezes pela janela na companhia dela, mexia comigo, tinha que reconhecer. Costumávamos esperar por esse momento, quando virávamos a noite assistindo a um filme ou repetindo cenas calientes entre os lençóis. Tínhamos cenário e trilha sonora. Tínhamos roteiro interessante. Estraguei tudo.
Coloquei nossa playlist na tentativa de pensar no que faria daí por diante, antes de deletar as músicas e a lembrança. Até o hábito de dormir com música tinha sido copiado dela. No começo eu ficava sem dormir, mas depois me acostumei. Tínhamos playlists variadas, elaboradas em consenso.
Por que diacho eu terminei? Não lembrei. A música me envolveu. Era a que ela mais gostava. Dizia que, se um dia terminássemos, eu ouvisse e pensasse nela. Ri e pensei que nunca faria isso. Se terminássemos, nem ouviria, nem pensaria. E a música entrou no meu pensamento, sem eu pensar que poderia acontecer.
Adormeci pensando que amanhã seria outro dia. Amanhã, ouviria o meu coração, a razão e o orgulho. Um deles teria que me dizer o que fazer.
Goretti Giaquinto
Desafio #101 de 365
Tema: Música e Tédio
1. Escreva um conto onde o personagem principal está sendo consumido por um tédio sem fim. Não esqueça de descrever o local, ambiente e motivos deste tédio.
2. A música deve ser o elemento que quebra o tédio do personagem principal, inspirando-o a agir ou a mudar sua perspectiva sobre a monotonia de sua rotina.
3. A história deve conter até 1000 caracteres e pelo menos três referências musicais de diferentes gêneros, que devem servir como trilha sonora para cada momento do conto, criando uma atmosfera única e envolvente.
Esse é um texto totalmente ficcional. Até tentei achar um gif que representasse um final de relacionamento, para um homem, e achei apenas ... finais de jogo de futebol 😂😂😂😂😂😂
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