Estava com muito calor. A música ainda a atraia pra pista, mas precisava parar um pouco, A última música já havia atrasado sua ida ao banheiro por ser uma de suas favoritas. O som da rabeca sempre a seduz.
Ao entrar no banheiro, o som da zabumba e do triângulo foi abafado. Havia duas mulheres em uma fila que se formara para o uso de uma das 3 cabines. Assim, ela encostou na parede a espera. Era uma quebra de ambiente sair da pista escura com luzes que dançavam como todos ali para os azulejos quadrados e albinos. O espelho a sua frente que ocupava metade da parede para as vaidades infindas ali refletidas a mostrava exatamente como imaginava, suando de tanto dançar, com o cabelo desarrumado e um sorriso leve ainda no rosto inspirado pelo o último xote dançado. Já na sua vez, dentro da cabine observou as escritas da porta. As palavras tão silenciadas entre as mulheres tinham espaço até ali. Com letras garrafais ela leu "Tu é maravilhosa!", "Seja feminista", trechos de letras de música e "Mulher, você já é inteira". Um templo de sororidade, afinal.
Ao lavar as mãos, um cheiro de erva-doce preencheu o lugar. Ainda caiu um pouco no mármore avermelhado da pia. Outra mulher ao lado fez o mesmo. Desconhecidas, as duas se olharam, sorriram uma pra outra e voltaram pra pista ao som da rabeca.
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Acordou em um pulo. Estava atrasada. O coração na boca. Não, não. Era sábado afinal. O suspiro veio naturalmente e o corpo relaxou. Agora, já desperta, poderia começar o dia com calma. Abriu sua janela, o sol da manhã entrou com leveza no quarto e no mesmo instante sua gatinha surgiu roçando-se em suas pernas, pulou na janela recém aberta e fechou os olhos sentindo o calor. Por instinto ou reflexo, ela fez o mesmo e sentiu o calor na face. Olhou então além das grades metálicas que reluziam. O sol sempre batia em seu lado da rua primeiro. As casas do outro lado grudadas, amarrotadas, ainda acordavam naquele início de fim de semana. A árvore ao lado, soberana da rua, ao contrário, parecia ter acordado cedo. Suas folhas vez e outra balançavam com o vento, mas principalmente com a agitação dos passarinhos que cantavam e voavam entre os longos galhos. Havia um tapete de folhas na rua. Uma buzina irrompeu o momento e chamou sua atenção. Era um rapaz em uma bicicleta antiga, azul clara e com o bando largo de couro. Tinha estilo. Na parte da frente, ele equilibrava uma respeitosa cesta de pães. Pelo cheiro bom, deviam ter saído do forno há pouquíssimo tempo. Ela fechou os olhos mais uma vez apreciando o aroma. Estava pronta pro dia começar. Deu um assobio da janela e chamou o rapaz. Pediu que a esperasse.
Simone Machado integra o nosso Grupo de Mulheres do projeto É DIA DE ESCREVER.
Segue ela no @sicamachado
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