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Foto do escritorArthur Magalhães

Descrevendo Espaços, por Arthur Magalhães

Moro em um cômodo. Será que, excluído da conta, o banheiro não se incomoda? Dou

doze passos da porta de entrada de casa até chegar nele, o cômodo dentro do cômodo.

Décimo segundo passo eu entro e a luz quente me banha, a privada e a pia ficam do lado

esquerdo enquanto o chuveiro paira do lado direito. Na parte de cima das paredes, onde os

azulejos não alcançam, pintei com rosa choque e laranja, o que conferiu ao espaço um calor que esquenta as cerâmicas brancas e pra completar, coloquei um assento vermelho. Esse leve ardor cromático, que vem também da lâmpada incandescente, é quebrado pelas folhas verdes da jiboia e da monstera. Gotas rosa escorrem paradas pra sempre nos azulejos

brancacinzentados, gosto de certo ar despojado, deliberadamente irrefletido. O porta-treco

pendurado segura em seus andares a baguncinha de frascos e utensílios higiênicos, sobre a pia a escova, a pasta e um sabonete roxo. Não há porta, retirei a sanfonada que me dava nos nervos e agora existe apenas a entrada, tbm pintada de cor de chiclete. Não posso esticar os braços lateralmente, nem preciso, considero o espaço bom para sua função apesar da pia ser baixa demais, batendo nas minhas coxas e me obrigando a ficar arcado. Existem diversas moscas-de-ralo no meu banheiro, nosso, no caso das moscas. São aqueles mosquitinhos inofensivos, gênero Psychoda, que ali proliferam dada a presença da água. Fico em constante crise entre matar, já que ameaçam algum senso sanitário em mim ou deixar viver, já que minha espécie já mata demais outras espécies. Vira e mexe taco água com sabão neles que perdem suas películas protetoras com a adstringência e são levados pro esgoto com o fluxo. Misto de satisfação e remorso que nem mais me lembro qdo me enrolo nalguma toalha e saio dali.


A vista da minha casa não é minha, nem a vista nem a casa. Moro de favor e não ter

meu espaço me suscita certo horror, já domesticado. Olho pra fora em pé na porta de entrada, ou saída, e vejo num primeiro plano as plantas que estão sob minha responsabilidade acimadas imediatamente por muitas casas, incontáveis já que não se sabe onde começa uma e termina outra. A predominância de cor é marcada pelos tijolos expostos, salpicado pelo verde das árvores que poderiam ser muito mais numerosas e por caixas d'água que parecem cogumelos azul-escuros sem haste. Se estende para todos os lados um mar de moradias amontoadas, lares unidos, superpopulação planetária. Das lajes pipas alçam voo e em muitas varandas roupas pendem pra relar no vento que em todo canto canta. Janelas de alumínio criam fulgores de acordo com o sol ou comigo eqto em toda a enorme trama de fios, centenas de rabiolas mortas chacoalham frenéticas. Aqui e ali cores de paredes pintadas, vasos nos beirais das casas que não param de subir apoiadas no morro que já não pode mais ser distinguido separadamente. Me pego aqui matutando, qual é a cor-de-tijolo? Entre o laranja e o marrom ela brinca, igual os meninos na ladeira. Pq cargas dágua menina não solta pipa? Gatos andam elegantes nas telhas cinzonduladas sem saber disso eqto uma moto barulhenta se esforça na rua íngreme me fazendo tapar os ouvidos e querer ter uma bazuca já que parece que a graça pros caras é fazer escarcéu eqto emitem CO e CO2... Toda manhã, ou na grande maioria delas, desde que estou aqui visito essa vista na hora do trato com as plantas, comumente cedo. Eu e elas em breve contemplaremos um novo e, quem sabe, calmo horizonte.



Arthur Magalhães é participante do Grupo LGBTQIA+ do Projeto É DIA DE ESCREVER.


Você pode conhecê-lo ainda mais através do seu instagram @thurutz.

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