Escrevo este testamento esperando ainda viver muito.
Se pudesse escolher, gostaria de partir dormindo, sem dor, de 'causas naturais', tendo um sonho mágico com todos familiares e amigos que se foram. Depois de uma velhice com independência, corpo ainda forte e mente vívida. Morreria por ter ‘passado do ponto’- como um carro bem velhinho que ficou ultrapassado, deu de tudo, mas chegou o dia em que, virando a chave para ligá-lo, nada acontece.
Pensaria no que fiz de bom, para ir tranquila. Fui uma boa menina, uma boa profissional. Cuidei de pessoas carentes, fiz muitas operações com sucesso (sou cirurgiã) e as pessoas, na maioria crianças, ficaram felizes.
Plantei muitas árvores, mas não tive filhos. Escolhi ter gatos e cachorros, pelo amor incondicional deles – menos dos gatos, que são independentes e sempre nos ignoram. Embora a dor de perder meus bichinhos seja imensa, partiria antes de todos. Que já foram muitos.
Escrevi muitos artigos e capítulos científicos, mas nunca escrevi um livro de ficção. Escrevo muito, para mim mesma. Morei em muitas casas até comprar esta em que moro, onde pretendo ficar até o último instante – embora o futuro seja sempre imprevisível.
Deixarei meus livros para uma biblioteca pública, torcendo para que elas ainda existam até eu morrer. Do jeito que o mundo vai, a inteligência artificial provavelmente vai substituir as bibliotecas , e os livros serão obsoletos.
Minhas roupas, doarei para o hospital onde trabalho, para vestir os necessitados – até porque todos que conheço não caberiam nelas. Minha casa e móveis, se o marido estiver vivo, que resolva o que fazer deles. Senão, serão vendidos e distribuídos entre a família.
Meu teclado, meu cunhado iria gostar. Única pessoa que conheço ser musical. Meu material de arte – ah, estes, espero que não sobrem até lá, e que eu os tenha usado todos e feito muitas pinturas. Minha arte, esta sim, doarei para amigos próximos, para lembrarem de mim com carinho.
Gattorno Giaquinto
# Desafio 11: Meu Testamento
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