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Foto do escritorEdgard Silveira França

Correntes de Uma realidade Cotidiana, por Edgard Silveira França

Tudo aconteceu numa tarde escura e chuvosa. O tempo parecia não querer que aquele dia aparecesse, com gotas que caiam furiosamente, decidiu que precisaria pregar uma peça para dar uma nova chance ao sol. Um acidente de carro foi mais do que adequado para o clima revolto. Apenas uma pessoa saiu gravemente ferida do carro que deslizava desgovernadamente pela pista.


A vítima do trágico acidente era Yara Yuki, uma gerente empresarial de sucesso, que teve sua vida completamente mudada após o evento. Todo ocorrido fez com que ela precisasse de 3 longos meses na UTI, pois a batida do carro naquele poste foi tão forte que deixou uma cicatriz que irradiava vermelho em sua cabeça.


Após um período traumático com a acidentada, seu marido, Stevan, a leva para casa e finalmente tudo voltava a normalidade. Enquanto ela ainda dormia, seu marido alimentava pensamentos que quase não cabiam dentro de sua mente. Sua vontade era tão intensa que as paredes esverdeadas daquele quarto pareciam estremecer.


Duas longas horas se passaram até que Yuki finalmente acordou. Aquela cama aveludada trazia o desconforto de estar deitada em uma rocha. A luz que atravessava sua janela parecia queimar suas retinas. Aquelas quatro pessoas sentadas esperando seu acordar, emanavam uma energia tão esmagadora que a fez gritar.


— Quem são vocês? O que diabos estou fazendo aqui? - disse ela agoniada.

Ninguém entendia muito o que estava acontecendo e pagavam com silêncio. As lágrimas que escorriam no rosto pálido de Yuki deixou todos emocionados. Tão emocionados que Steven respondeu com uma beijoca. O beijo de seu marido despertou a sensação de repulsa e a fez sussurrar:

— É você Stevan, por que estou me sentindo tão horrível assim?


O clima estava pesado demais. Então, Henry, seu melhor amigo do trabalho, resolveu chamá-la para sala. Os passos de Yuki ainda estavam vagarosos e o contato com aquele piso gélido arrepiava sua espinha. Os dois se sentaram lado a lado no sofá branco. O toque daquelas mãos ásperas a trouxe um choque de desconfiança.


— Por que me chamou aqui? Eu não te conheço!

— Sou eu, Henry. Você não se lembra? Somos amigos.


Aquele olhar malicioso a fez saltitar e então um ataque de raiva tomou conta de seu corpo. Ela arremessou vasos, porta-retratos, caixas de som e tudo o que estava na estante a sua frente. Henry não teve opção além de correr daquele furacão.

Toda a vida de Yuki ela sempre desprezava sentimentos profundos. Seu destino era apenas atender demandas e impulsionar seu status. Ao encontrar a foto de sua mãe no meio daquela bagunça, ela teve a sensação mais horrível de todas: a saudade.


— Tive todo tempo do mundo para poder estar com ela e mesmo na sua última despedida agi com desdém, preferi continuar investindo no meu sucesso até em seu velório. A vida não nos dá duas oportunidades e sinto como se esse peso da culpa me corroesse — murmurou ela aos prantos.


Depois de toda aquela confusão Yuki foi correndo para o banheiro. Ao se olhar no espelho, ela não se reconhecia. Sua pele estava tão ressacada que se parecia com uma uva passa, seus lábios não tinham cor e seus olhos não tinham vida. Ouvindo toda gritaria que vinha do banheiro, Vanessa, a sua irmã mais velha, resolveu perguntar sobre o que estava acontecendo:


-Tudo bem por aí, maninha? - O silêncio prevalecia.


Valter, seu pai, finalmente resolveu agir. Ele se dirigiu até o banheiro com um semblante tão rigoroso parecia atravessar a parede. Deu um murro tão forte porta que foi o suficiente para invadir o lugar. A filha estava ainda paralisada com sua imagem no espelho quando foi surpreendida com os sermões de seu pai.


— O que pensa que está fazendo? Esses surtos não vão te levar a nada. A única coisa que sua mãe queria era que você nos ajudasse, mas mesmo assim você fracassou. Que decepção! E pensar que depositei tanta confiança em você, minha filha.

A reação de Yuki foi frígida e seu olhar não parecia expressar muita confiança. Preocupado, Henry voltou correndo para quarto para discutir com seus parceiros sobre a situação.


— Parece que o nosso plano foi por água abaixo. Ela está muito estranha agora, não consigo ler em seu rosto o porquê dela está agindo assim. Era pra ela ter morrido naquele acidente.


— Vaso ruim não quebra! O bom é que ela parece ter perdido boa parte das memórias e isso vai facilitar nossas vidas já somos os únicos que ela pode contar. Não tenho dúvidas que a dinheirama logo estará em nossas mãos - afirmou Valter.


O que eles não contavam era que Yuki estava ouvindo tudo por trás da porta. As palavras daquelas pessoas fizeram seu coração despedaçar. Na verdade, ela já tinha notado que sua melhora não tinha sido boa notícia porque nem mesmo um abraço recebeu.

A soberba de menosprezar os outros que a cegava por anos parecia curada.

Suas lembranças estavam voltando aos poucos e ela percebeu o quão ela era infeliz. Seu casamento era com homem que ela não amava, seu único amigo era um ótimo ator, sua irmã e seu pai estavam com ela apenas pelo conforto. Todas essas pessoas representavam a sua enorme vontade de conquistar seus desejos materialistas, mas ela não tinha mais ninguém.


Sua última opção era sair daquela casa, daquela vida de mentira. Ela pulou pela janela do banheiro e correu tão rápido que parecia que tinha se livrado de correntes. Tão rápido que ninguém nunca mais teve notícias sobre ela.




Edgard Silveira França é integrante do Grupo de Negritudes do Projeto É DIA DE ESCREVER.


Quer trocar uma idéia com ele? Segue o @Kiclyclex no instagram

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