Saí para velejar numa manhã com vento Sul, era 22 de julho e hoje estou aqui sem comunicação com nenhuma alma viva humana. Faz 3 meses que estou à deriva, perdida na imensidão do mar, sem saber onde estou e para onde estou indo, nem me lembro ao certo como tudo aconteceu.
Ainda bem que tinha comida, uma vara de pesca, água para beber e o dessalinizador funcionando. Não gosto de comer peixe, mas para sobreviver é o que eu tenho engolido.
Passo a noite acordada para ver se encontro uma luz no meio do mar, durmo um pouco de dia por cansaço mesmo e fico aqui olhando para o mar perdida em pensamentos.
Nos primeiros dias foi mais difícil, eu fiquei com raiva de mim mesma por ter confiado os cuidados do veleiro àquele homem da marina que eu não conhecia, depois com raiva por eu estar naquele mar que eu amava, mas que eu odiava ao mesmo tempo.
Não estava em terra firma, nem numa ilha que eu pudesse me sentir naufragada, nem na companhia da bola Wilson. Eu estava sozinha perdida do mar que me ensinou a velejar, sem poder usar as velas, sem comunicação com a humanidade, sem poder voltar para casa, sem controle de quase nada, somente indo para onde as correntes me levam.
O que mais me incomoda é o momento atual sem saber de nada da civilização com rádios mudos, cabos mortos, absolutamente "sozinha e perdida".
Sabia que não estava sozinha, isso nunca estaria, mas, perdida isso era real. Eu sonhava em atracar, voltar para casa e quando isso tudo seria real? Perdi peso, era visível, emagreci e muito. Agora era focar em sobrevivência, a raiva estava controlada como uma mandala budista que leva meses para criar e se apaga em segundos..
Sonhava com comida, menos peixe ou cheiro de mar. Eu sonhava com banho, com os amigos, com a escola, com minhas viagens e sempre acordava assustada. Todos os dias eu olhava para o mar, o nascer, o pôr-do-sol e a escuridão e o céu nem sempre estrelado. Passava noites acordadas com as tempestades, rezando para que o veleiro me protegesse e eu sobrevivesse por mais um dia.
Conversava com Deus ou o Universo por que eu, o que eu tinha que aprender e quando alguém ia me resgatar, até o dia peguei no sono e não tive nenhum sonho ou pesadelo, dormi o sono dos justos e acordei com uma baita disposição e aquele dia foi diferente de todos os outros.
Nesse dia eu bebi mais água, não tive fome e não pesquei, apreciei o mar, a chuva, o vento, a noite.. e vi lá no além uma luz piscando com uma ponta de esperança em ser resgatada. Eu e meu veleiro fomos para casa...
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