Esse texto fez parte da antologia Retratos Pandêmicos, lançada pela editora Questione! em pleno caos da pandemia. Para mim ( e para muitos ) , foi um momento que quero esquecer, mas que me trouxe oportunidades (como toda crise traz).
Como o desafio é de folga na caneta, trago o texto para relembrar os momentos que passamos, e como incentivo a, quem sabe, criarmos novos momentos...
Deixei a forma "desarrumada" no texto, reforçando a bagunça que estava em nossas vidas. Foi um período conturbado, mas me abriu visões - não apenas a das inúmeras leituras e cursos que fiz, para preencher vazios: trouxe a escrita de volta à minha vida.
Fiz pequenos acréscimo, para incluir o texto no "pós" pandemia.
Porque penso que
o que foi desarrumado
ainda não foi consertado.
Quem canta seus males espanta. Essas palavras vieram à mente ao acordar. Não sabia cantar nem tinha voz, fôlego ou o ritmo para emitir mais que sons desafinados de parte das letras de músicas
que a memória ainda deixava lembrar. Se dependesse do canto como sustento, talvez pudesse escrever letras românticas, de sofrência.
Se fosse para cantar, seria o amor.
Seus diários, companheiros de longa data, conseguiriam espantar o pânico dos momentostão irreais, atuais?
O vilão da vez era assustador, e o amor que arrebata a vida
não poderia se transfigurar pelo rastro do vírus terrorista.
Apesar de viver em uma contagem regressiva desde que se aposentara, sabia
que um vírus, um desastre ou outra doença podia levá-la a qualquer momento,
e a contagem terminaria sem aviso.
Deixou a cama cantarolando trechos da música favorita
que ainda conseguia lembrar, e preparou o cappuccino parceiro que avivava sua realidade.
Entre goles do café e o deslizar do dedo nas mensagens repassadas
pelos muitos grupos que se viu (de repente) participando,
pensou no que uma mulher aposentada, solitária
e com tantos outros adjetivos poderia fazer,
além de pôr a máscara ao ter de sair.
O que outras mulheres na mesma condição estariam pensando e passando?
Teriam fé no amanhã?
Mudaram a relação com filhos, maridos, amigos, vizinhos?
Muitas perguntas. Respostas incompletas.
Nada seria como antes ou tudo seria igual,
quando finalmente pudesse sair, talvez sem máscara.
Sua vida poderia ficar resumida à espera de
uma mensagem com 140 caracteres
e às compras feitas pela internet?
Ou faria parte das estatísticas crescentes apresentadas pelos noticiários?
Como viver o amor em tempos de pandemia?
Essa praga impõe o uso de máscara, faz do distanciamento social um mantra
incorporado nos relacionamentos já distanciados
pelos caminhos descruzados
reduzidos a frases distantes e preocupações constantes;
às vezes, une pela distância
e separa no convívio ressentido.
Em tempos de amor e desamor,
Que força teria esse vírus para vencer a vontade de viver ou sucumbir?
Sua vida continuaria até que o timer desligasse a sua programação.
Ser uma mulher madura mostrara que,
de tempos em tempos,
a vida tem de ser ressignificada –
lembranças tristes têm que ser congeladas no tempo
ou transmutadas em tragos de esperança
e fatias de sonhos adocicados.
Desistir, esperar,
aquarelar o cinzento diário em tom pastel
ou cores vibrantes,
Era uma escolha a fazer.
É.
Sorver o amor que não é cor-de-rosa,
desmascará-lo de ilusões,
encarar que não é maior ou menor
por ser real –
tão descolorido como seus cabelos platinados.
Ignorar o timer sem perder a vontade
de realizar as incontáveis listas do que fazerantesdemorrer.
Aceitar as rugas, os fios, os calafrios, derrubar muros –
em vez de pular para o vazio.
Falar das próprias histórias sem ouvintes,
deixar de traduzir o óbvio que nunca é óbvio.
O amor tem caras e gostos.
Mesmo para mulheres que ultrapassaram a metade (ou mais)
de suas próprias histórias, cansadas –
mas não querem se aposentar da vida.
Desapegar da cronofobia,
viver com criatividade
seria AmAr em tempos de
(pós) pandemia?
Goretti Giaquinto
Desafios # 135 e # 136 de 365
Tema: Folga da Caneta
1. Texto e caracteres livres
2. Você tem 2 dias para escrever um texto que te represente como escritor/escritora.
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