A rua era estreita uma viela italiana com nome engraçado. Conseguiu carona até o local. Nunca tinha pensado em fazer isso até ler uma pequena notícia no jornal brasileiro.
Estava atrás de algo para mudar sua vida. O anúncio com palavras em negrito dizia: Precisamos de pessoas dinâmicas que queiram mudar de vida fora de casa em segurança. Paga-se bem.
Era tentador. Queria sair de casa da casa do meu pai e o convite chegava em boa hora — a de refazer o seu destino. Como queria: não era longe da cidade onde vivia, apenas 1 hora e meia de trem. Após uma entrevista — para a qual estava se dirigindo — logo teria o resultado. E estava convicto de que daria certo.
A viela terminou em uma porta vermelha com o número 66 estampado em preto quase 50 cm de altura. Procurou um sino ou campainha. Não achou. Uma argola que a ferrugem denunciava o tempo o convidou a bater. Esperou. Bateu novamente. Estava no horário, conferiu o relógio. Olhou para os lados, não havia ninguém além dele. Puxou o anúncio do bolso, podia ter se enganado. Estava tão ansioso!
— Você veio para a entrevista? — a voz seguiu a abertura repentina da porta, e deu um pulo para trás.
— Sim, eu vim — tentou se recompor. Era necessário passar uma boa impressão.
— Entre e siga em frente.
— Vou sozinho?
— Você não se perderá.
Obedeceu. Não havia janelas no corredor que parecia não ter fim. Ficava cada vez mais escuro, definitivamente sombrio — pensou, ouvindo a respiração ofegante a cada passo. Seguiu acompanhando a linha do piso do corredor como norte. Não havia o que ver além dos rejuntei amarelado do piso em terracota, que também apontava a idade do prédio. Paredes descascadas pelo mofo traziam uma lufada azeda, misturando-se à que saía das suas narinas.
Estava um ponto de dar meia volta e correr para a porta onde tinha entrado, quando uma luz no teto surgiu em linha, indicando o que parecia ser uma porta. Parou em frente para pensar se seguia adiante, e a porta se abriu. O ambiente que se seguiu era totalmente escuro. A meia-volta antes pensada não teve tempo de acontecer. Ouviu o som abafado da porta se fechando nas costas, quando foi empurrado por um sopro forte. Caiu de joelhos com a força do empurrão, sem enxergar nada, nem o próprio corpo.
À frente, uma imagem holográfica se formou. Aos poucos foi esperando um traço de familiaridade que não veio. A imagem era translúcida e real, ao mesmo tempo. Uma mulher ou um homem, não tinha certeza. Poderia ser um fantasma, se deixasse a imaginação solta. As pernas trêmulas não me davam tempo pra pensar.
Sem abrir o que parecia uma boca, saiu uma voz. Daquela nuvem, apenas uma frase, e o encantamento se foi. O corredor clareou, com a mesma velocidade que o holograma se dissipou. Às suas costas, a mesma voz que abriu a porta indicou a saída, enquanto levava seu pensamento à tentativa de entender o que conseguira reter na memória. Em um minuto, se viu do lado de fora.
Buscou um banco próximo, para aquietar as pernas que ainda insistiam em se bater.
— Caraca, o que aconteceu comigo?
Uma nova lufada assanhou os cabelos, esfriando suas pernas. Lembrou as palavras da voz.
— O lado sombrio de sua vida não está no seu destino. Traga o encantamento sem sair de casa, da sua casa. A que está dentro de você. Você sabe. Lembre-se.
Cenas se moveram rápidas na mente. O pai debruçado em sua cama, medindo a febre que não passava. O choro do abandono da mãe. O dinheiro curto que a comida racionava, sem que lhe faltasse nenhuma refeição. O abraço do pai, para a viagem que desconhecia o motivo, sem imaginar sua real intenção.
Buscou o papel no bolso, o que o tinha chamado para a entrevista que o levaria pra longe do pai nunca ausente. Não havia papel, por mais que procurasse. Foi um sonho? — se perguntou. Havia fumado quando achou e recortou o anúncio. Estava no seu bolso, até então. Tinha certeza.
Não perderia mais tempo na procura. Na pressa do entendimento, preferiu correr pra pegar o trem mais próximo, o que levaria ao seu destino, e que há um minuto queria mudar. Ao que a voz da consciência lhe mostrara.
— Pai, estou chegando, louco pra te dar um abraço — a mensagem enviada ao pai abriria as portas que queria pra sua vida.
A mensagem foi recebida junto com uma ligação. O abraço não aconteceu.
Goretti Giaquinto
Desafio #86 de 365
Tema : Jornada fantástica
1. Escreva um conto de fantasia
2. Utilize obrigatoriamente as palavras: “encantamento”, “sombrio” e “destino”
3. O conto deve ter como tema central a jornada de um personagem em busca de seu propósito de vida.
4. Caracteres livres.
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