Olá saudosos leitores e leitoras.
Primeiramente, perdão pelo sumiço. Tive que me dedicar a outros afazeres que me rendem o pão nosso de cada dia. Escrever por lazer, não é um ofício que consigo exercer diariamente.
Mas, passado essa época de trabalhos mil, volto com um pérola dos tempos atuais que só um feriadão em um ano de quase nenhum feriado, poderia nos entregar.
Neste último feriado me enfiaram em uma daquelas viagens que a gente vai querendo não ir. A festa era simples: piscina, cerveja gelada e uma churrasqueira disputada como se fosse o trono de um império milenar. De um lado, Cláudio (escondendo os nomes, claro), o "Churrasqueiro 1", tradicionalista, defensor do carvão e do sal grosso. Do outro, Marcelo, o "Churrasqueiro 2", que achava que o churrasco devia evoluir — com técnicas gourmet que ele aprendeu no YouTube, claro. Ambos se respeitavam, mas só até o momento que alguém precisou acender a primeira faísca para a brasa se formar.
O primeiro ataque foi sutil. Cláudio preparava o fogo, aquele ritual quase espiritual: papel higiênico enrolado para fazer um "copo", óleo dentro, carvão em pirâmide, tudo conforme o manual da vida. Marcelo, com a cerveja na mão e um ar superior, observava de longe até que soltou para mim (que fiquei mais deslocado na festa então fui um alvo fácil para o Marcelo alugar minha orelha):
— Sabe Porra nenhuma esse aí! Se botar pão velho com óleo de cozinha pega muito mais rápido.
Sorri um sorriso amarelo e não dei bola, até porque, neste caso, acredito que pão velho faça muito mais sentido para rabanadas do que para acender uma churrasqueira. Mas...quem sou eu no churrasco? O vegetariano que toma a grelha com legumes.
Comecei a notar uma batalha se formando entre Marcelo e Claudio. Um clima de tensão no ar. Um, churrasqueiro de corpo e alma herdeiro da sabedoria ancestral de seus conterrâneos gaúchos. Outro, um churrasqueiro de youtube com técnicas e ousadias duvidosas para alguém tão clássico e vivido como, Claudio. Rapidamente, piscina, música, jogos e tudo que tinha naquela festa ficou em segundo plano para mim. Essa tensão, olhares e indiretas alimentavam minha necessidade de entretenimento.
Quando chegou a hora de temperar a carne, o conflito atingiu novos níveis de tensão. Cláudio, com sua maestria de décadas, aplicava sal grosso com a precisão de um cirurgião. Marcelo, porém, armou sua guerrilha silenciosa: postou-se a uns dois metros, braços cruzados, e começou a dar "dicas" e cochichar comigo que estava sentado ao lado do balcão da churrasqueira:
— Esse sal é muito bruto, gente... A carne perde suculência assim. Já ouviram falar de dry rub? Eu vi um chef usando outro dia, é bem mais moderno.
Cláudio ouvia, mas fingia que não. Olhou de canto de olho, lançou um sorriso mínimo — do tipo que já venceu a discussão antes dela começar — e continuou temperando. Eu continuava alimentando minhas energias daquele clima tenso. Homens tentando ganhar uma discussão medindo que tem o P@* maior.
Mas o golpe de estado aconteceu na hora da piscina. Cláudio, convencido por sua esposa a "relaxar um pouco", largou a churrasqueira por exatos quinze minutos. Foi o suficiente para Marcelo se aproximar sorrateiramente, agarrar o pegador e declarar-se "Churrasqueiro Regente Temporário".
Em pouco tempo, Marcelo já tinha virado herói para meia dúzia de convidados famintos que só queriam carne no prato. A questão da suculência, sabor e o ponto da carne era irrelevante; a fome sempre vence o gourmet. Quando Cláudio voltou, sem camisa e pingando cloro, encontrou Marcelo na churrasqueira com uma expressão de domínio absoluto.
Cláudio ao ver Marcelo servindo "sua" carne, primeiramente disparou um olhar frio e de raiva para sua mulher. Marcelo notou e como bom provocador que se provou ao longo da viagem, ofereceu uma asa para Claudio que, apenas pegou a asa de frango mais queimada, analisou como um general inspecionando tropas e sentenciou:
— Tá seco.
Para encerrar, veio a suprema manobra diplomática: Claudio, com um tom quase paternal, ao ver Marcelo seguidas vezes espirrando e com o nariz escorrendo, sugeriu que Marcelo fosse colocar uma blusa.
— Tá resfriado, né? Vai lá, eu cuido daqui.
Marcelo revirou os olhos e rebateu:
— Não dá pra abandonar a churrasqueira assim.
— Relaxa, não precisa ficar aqui o tempo todo, não — insistiu Claudio, com um sorriso de quem sabia que estava ganhando.
Marcelo se negou a ir, e foi quando Claudio começou a caminhar pela festa comentando de ouvido em ouvido que o Marcello estava resfriado, com nariz escorrendo, mexendo nas carnes e não queria ir colocar uma blusa. Ninguém percebeu esse movimento. Foi sutil. Ele falou com quem precisava falar: Esposa do Marcelo, dono da casa, mulheres que estavam servindo...
Alguns destes foram falar com o Marcelo que não notando a presença do Claudio ao redor da churrasqueira, decidiu ir buscar sua blusa de frio correndo (literalmente), blusa essa que Claudio, sabidamente, já tinha tirado do lugar e escondido atrás da casa no varal sem ninguém ver, exceto eu, que acompanhava e anotava tudo para essa crônica.
Foi a última cartada. A guerra não era sobre carne, sal ou blusa de frio. Era sobre domínio, sobre o trono improvisado de tijolos e grelhas que nenhum dos dois queria dividir.
Espelho perfeito da diplomacia internacional. Duas superpotências disputando quem tem o melhor modelo de mundo (ou picanha), enquanto os cidadãos (ou convidados) só querem comida na mesa. É a eterna batalha do alfa, incapaz de coexistir sem provar que é mais macho, mais esperto, mais dono da grelha.
No churrasco e no planeta, a moral é a mesma: homens alphas são a desgraça da paz mundial, e do churrasco também.
Do seu cronista, vegetariano e fofoqueiro preferido,
Bob Wilson
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